Obra reúne letras, poemas e cartas de Vinicius de Moraes sobre o amor
“Todo Amor”, organizado por Eucanaã Ferraz, navega por textos românticos, sensuais e líricos do poetinha
atualizado
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Na última entrevista que deu, Vinicius de Moraes (1913-1980) disse que era um “namorador inveterado”. Contou que até aguentava a solidão, mas por pouco tempo, e que não sabia viver sem uma mulher. Vinicius amava, vivia a euforia, sofria, afundava e recomeçava.
Casou 9 vezes. A experiência, feliz ou infeliz, serviu de matéria para seus poemas, músicas, cartas e crônicas. Esses textos estão reunidos agora em “Todo Amor”.
Para Vinicius, ele completa, o sofrimento era o grande combustível da poesia. “Sofria e arrasava-se com essas separações. Sentia-se culpado e logo se refazia, sem culpa nenhuma. Tinha tanto prazer na vida, uma alegria tão grande de viver, que transformava esses sofrimentos em pouco tempo, sem se deixar dominar, talvez porque incrustava-os em sua poesia. Romântico ao extremo, evitava as estruturas preconcebidas. Trabalhava o momento da inspiração, buscando dar forma aos sentimentos que aconteciam no correr da vida. Daí sucedendo a arte. Mas a vida na frente.”
O poeta vivia intensamente o amor mesmo quando ainda o buscava, e esse amor transbordaria ainda mais forte quando realizado, comenta o músico.
Eucanaã Ferraz, organizador do volume, observa que ao longo de seus livros Vinicius viveu o sentimento de maneira muito diversa “Quando o amor se realiza, parece que nos poemas há uma certa saudade do amor quando ele ainda não tinha se materializado, como se sua materialização empobrecesse o sentimento. Ao mesmo tempo, há o desejo que ele se efetive. São sentimentos contraditórios, que vão aparecendo ao longo da obra junto com outros modos de pensar o amor.”
Para Ferraz, aliás, a obra do poeta é um grande aprendizado do amor. Na adolescência, este é um tema que aparece vinculado a uma visão religiosa, explica o organizador: “Vinicius é um menino de formação católica e traz, para a poesia, uma espécie de drama – um apelo erótico, amoroso e, ao mesmo tempo, um desejo de purificação e salvação”. Seu primeiro livro, “O Caminho Para a Distância”, publicado aos 19 anos, em 1933, mostra essa contradição.
Mas isso vai mudando. “Ao longo dos anos 1940, ele faz uma espécie de aterrissagem no mundo humano, com suas pequenas complicações diárias, suas personagens nada nobres, e Vinicius passa a deslumbrar esse mundo material e terreno para o qual ele não tinha olhos antes. A perspectiva amorosa se altera e ele passa a viver de maneira mais confortável com esse apelo erótico, afetivo e sexual. Vai mudando sua posição perante a vida e, com isso, a posição diante do amor vai se tornando mais livre e experimental, bem menos complicada. O fantasma do pecado vai se perdendo e dando espaço a um amor vivido de maneira mais plena. E esse já é o Vinicius da maturidade”, explica Ferraz.
No livro que chega agora às livrarias, encontramos Vinicius em todas essas fases. A obra não segue uma ordem cronológica. Optou-se por organizar os textos de acordo com seu “magnetismo”. O livro é aberto com “Eu Sei Que Vou te Amar”, seguida de “Soneto do Amor Total” e “O Camelô do Amor”. Letra, poema, crônica.
Ferraz diz que, sem a preocupação cronológica, é possível ver melhor os contrastes, os tratamentos, as coincidências. “Preferi fazer com que os poemas se aproximassem por algum magnetismo, que não era de ordem cronológica, mas de simpatia entre eles.”
Muito tocado no rádio, pouco estudado pela academia. “O Vinicius poeta ficou em segundo plano em relação ao Vinicius letrista. Seu sucesso como letrista gerou alguma má vontade com relação à obra dele na universidade. Os mais conservadores achavam que podiam estar lidando com um compositor de samba”, comenta Ferraz
“Vinicius foi um homem que fez sua vida baseada na poesia. Isso reflete as contradições desse grande poeta, que se debatia entre livrar-se das amarras e seguir as lógicas da própria vida”, define Toquinho, que vai apresentar, no lançamento, sucessos de sua parceria com o poeta.
“Todo Amor”, de Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 278 págs., R$ 54,90)