Livro faz passeio poético pelo Rio guiado por Vinícius de Moraes
Obra do poeta exalta as belezas e encantos da cidade e ganha nova edição com ilustrações atuais
atualizado
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Nascido na França, com o nome de Sebastós, no século III, São Sebastião foi capitão da guarda petroriana do imperador Diocleciano, antes de virar mártir da fé cristã por desafiar as leis de Roma. A insolência lhe renderia uma morte brutal num 20 de janeiro, mesma data em que os portugueses expulsariam na costa do Rio de Janeiro, em 1567, os franceses, escolhendo o santo como padroeiro a partir deste dia.
Para celebrar a efeméride, nada melhor do que passear pelas ruas, avenidas, praias, bairros, bares desse símbolo turístico nacional tendo como cicerone a poesia de Vinicius de Moraes. Projeto acalentado pelo artista – um carioca genuíno –, nos anos 1940, mas nunca concretizado em vida, o Roteiro Lírico e Sentimental de São Sebastião do Rio de Janeiro – Onde Nasceu, Vive em Trânsito e Morre de Amor o Poeta Vinícius de Moraes é uma declaração de amor ao Rio.
São 30 poemas que reverenciam de uma forma bem pessoal, afetiva e humorada, os lugares que marcaram a vida de um dos maiores nomes da poesia brasileira. É o Rio de Janeiro da infância do poetinha, das farras de adolescência, da contemplação paisagística e homenagens a amigos ilustres, das intervenções urbanas que transformaram uma cidade grande em crescimento. Versos do passado com ilustrações inéditas da artista Juliana Russo.
“Avenidas foram abertas, modificou-se a silhueta da baía com aterros, demoliram-se quarteirões, puseram-se abaixo morros, construiu-se muito, sem parar”, diz um apontamento deixado pelo poeta que abre o poema A Cidade em Progresso, cujos versos iniciais estranhos e enigmáticos são: “A cidade mudou. Partiu para o futuro/Entre semoventes abstratos/Transpondo na manhã imarcescível muro/Da manhã na asa dos DC-4s”.
Traz também o olhar do menino da rua Lopes Quintas encantado com a geografia da cidade, com seus morros pétreos e traçados sinuosos, com as flores do bairro das Laranjeiras e os passeios pelas rua do Catete, o beco da Lapa e pela boemia do Café Lamas, passando pela contemplação da mítica Copacabana e o mantra das lavadeiras da beira da linha férrea.
Bem ao seu estilo, adaptou as tradicionais cantigas e modinhas que ouviu por onde passou.
“Os escravos da Gê/Gostavam de jogar/Ponto, banca/Quem jogou em 30, dá/Parceiro com parceiro/Pif, pif, pif, paf”, brinca, fazendo alusão ao jogo do bicho.
Desejos da juventude
“No prelo” há anos, desde que o poeta Vinicius de Moraes idealizou seu formato, Roteiro Lírico e Sentimental só seria lançado postumamente pela primeira vez em 1992, com organização do jornalista, escritor e crítico literário José Castello. Os poemas aqui apresentados foram garimpados em originais pertencentes à Fundação Casa de Rui Barbosa e outros já publicados em antologias, organizados a partir das indicações deixadas pelo autor.
“A poesia ‘esparsa’ e ‘dispersa’ de Vinicius de Moraes é relevante e numerosa”, escreve na apresentação dessa nova edição o poeta e pesquisador Daniel Gil.
De um frescor cativante, os desenhos desenvolvidos por Juliana Russo para esta nova versão da obra imprime um diálogo charmoso que realça, com lirismo inconfundível, o amor de um poeta por sua cidade. Um amor que vai desde as impressões mais lúdicas, temperadas com malícias sofisticadas que fariam corar uma Mae West ou Dercy Gonçalves. É o que acontece, por exemplo, em Ilha do Governador (meio-dia em Cocotá) e A Primeira Namorada.
Já nos poemas Cartão-postal e Avenida Rio Branco, Vinicius de Moraes faz uso do experimentalismo narrativo, subvertendo o espaço gráfico com arranjos visuais que lembram uma paisagem abstrata, uma cruz ou o cruzamento de vias. É o simbolismo do espaço no tempo na forma do mais tocante lirismo.
“Aqui se versificam os laços indissociáveis entre parte de sua experiência humana e dos lugares onde sua poesia nasceu e cresceu – ela que agora avança no espaço e no tempo”, atesta o organizador Daniel Gil.