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Livro de historiador inglês mostra a violência contida na Bíblia

Michael Kerrigan mostra o lado cruel das passagens descritas nas escrituras sagradas

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João Baptista decapitado pela visão do pintor milanês Andrea Solari (1510)ed
1 de 1 João Baptista decapitado pela visão do pintor milanês Andrea Solari (1510)ed - Foto: null

É como se fosse um capítulo do programa A Bíblia Proibida do canal por assinatura History. Ou seja, considerada o “livro dos livros”, a sagrada escritura é recheada de tramas e aventuras religiosas enigmáticas cheias de significados dúbios. O que por si só justifica o surgimento, em escala industrial, assassinatos brutais, incestos, traições e crueldades de toda natureza. Assim é o livro Histórias Secretas da Bíblia, da editora Europa.

Pertencente à coleção História Secreta da empresa – que nessa linha já falou sobre a vida dos papas, imperadores romanos, reis e rainhas europeus –, a obra, escrita pelo historiador britânico Michael Kerrigan, é um deleite para leigos curiosos no assunto e uma provocação para especialistas. Tudo ilustrado por pinturas belíssimas de pintores clássicos como o italiano Andrea Solari, o dinamarquês Carl Bloch e o francês Gustave Doré, entre outros.

Debruçando sobre o Velho e Novo Testamento, o autor se arma de isenção e total espírito laico para trazer o lado sombrio da Bíblia com perspicácia jornalística e olhar histórico. O resultado é instigante e não menos controverso. “Se é errado matar, o que dizer da violência?”, escreve o autor, evocando um dos Dez Mandamentos. “O que dizer de Sansão? Sua morte justifica os homens-bomba suicidas de hoje?”, contextualiza com ironia.

Interpretações equivocadas
Especialista no assunto, Kerrigan defende a tese de que Deus, com sua voz tonitruante, é um sujeito autoritário e vingativo, cujas ações realizadas a partir da liderança de grandes profetas e patriarcas bíblicos, sempre foram alvos de inúmeras interpretações equivocadas. “Qualquer texto é suscetível a leituras diferentes, ainda mais quando é uma coletânea de muitos escritos diferentes. A Bíblia possui um texto complexo com narrativas se sobrepondo”, destaca.

No episódio envolvendo Sansão, um dos heróis mais emblemáticos da Bíblia, por exemplo, o arraigado conflito entre judeus e filisteus, segundo o autor, é fomentado mais por conta da guerra pessoal do gigante cabeludo e sua força descomunal capaz de matar um leão com as próprias mãos ou dezenas de soldados com a queixada de um burro, do que por uma questão de poder entre dois povos.

Primo mais velho de Jesus, o pregador João Batista perdeu o juízo e literalmente a cabeça não por conta de suas relações afetivas de sangue e ideológicas com o filho de Deus – ambos defendiam a libertação do povo judeu do jugo romano –, mas por ter desagradado a rainha de Herodes. “Sendo João um moralista convicto, condenou o casamento da rainha com Herodes, já que ela havia sido previamente casada com Felipe, irmão do Rei”, escreve o autor.

Aparentemente óbvias, as observações pertinentes de Michael Kerrigan ganham peso quando contestadas e potencializadas por outros pontos de vista e fontes, algumas delas “esquecidas”, que mostram o incesto de Caim, ao casar com uma de suas irmãs, ou a poligamia de Abraão, o homem de fé. Episódios bíblicos tornam-se ainda mais intrigantes quando seus enredos trazem coincidências com os mitos de outras culturas antigas.

É o caso da história de Noé e o dilúvio. Mandado por Deus para castigar as maldades humanas, o mito das chuvas torrenciais que dizimaram a humanidade encontram ecos tanto nos poemas antigos sumérios – antiga civilização onde hoje se encontra países como o Iraque e o Kuwait – quanto nos relatos mais distantes dos povos da Índia e Grécia. E o mais surpreendente, está presente na cultura andina da América Central entre 16 mil e 8 mil antes de Cristo.

“É comum que mitos apareçam de modo semelhante em civilizações e culturas com proximidade geográfica como as do Oriente Médio, Grécia e Índia. Mas, como explicar a presença do dilúvio em várias culturas nativas das Américas, como a maia e a quiche?”, surpreende-se o autor. “Uma possível razão é a força simbólica do poder destruidor de uma grande inundação”, explica.

Como se vê, nem todo o conteúdo da Bíblia, da sua origem e desenvolvimento, é o que aparenta ser ou como devidamente deveria estar. Pior ainda é a interpretação equivocada e mal intencionada desses episódios sagrados carregados de sangue, ira e fé…

Reprodução
De Michael Kerrigan. Editora Europa, 224 páginas, R$ 99, 90

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