Jukebox Sentimental: Júpiter Maçã ganha biografia definitiva
O artista, que ocupou espaço importante no rock brasileiro, tem a vida contada por Pedro Brandt e Cristiano Bastos
atualizado
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Em fevereiro de 1990, Angélica, então com 16 anos, era uma das sensações da televisão brasileira à frente do infantil Clube da Criança, da Manchete. Num belo dia, os gaúchos dos Cascavelletes baixam por lá para “defender” uma das canções do segundo disco da banda, Rock’a’ Ula (1989), quando, após a apresentação, o vocalista, na maior inocência, apresenta o nome da música.
“Eu Quis Comer Você é o nome da música”, diz Flávio Basso a uma Angélica adolescente, cercada de pimpolhos que mal desconfiava da malícia escondida nos versos da canção.
Esse jeito quase kamikaze de si mesmo permeou a vida toda de um dos nomes mais expressivos do rock independente brasileiro que agora tem trajetória contada no livro Júpiter Maçã: A Efervescente Vida e Obra. Escrita pelos jornalistas Pedro Brandt e Cristiano Bastos, a obra, lançada pela editora gaúcha Plus, traz no título referência a algumas personas incorporadas pelo anárquico artista. Por sinal, a mais emblemática de sua carreira.
“Flávio Basso/Júpiter Maçã é um personagem ímpar do rock brasileiro: talentosíssimo, com uma trajetória de altos e baixos, tanto enquanto criador quanto em sua vida pessoal”, aponta Pedro Brandt, um dos autores, ao Metrópoles. “Muito cultuado, ele ainda não tinha tido sua história devidamente contada. As entrevistas disponíveis na imprensa ou sua autobiografia (2016) não dão conta de toda a produção artística e dos fatos da vida pessoal”, defende.
Roqueiro mutante
Admirado por figuras como Cazuza, Caetano Veloso e Rita Lee, Júpiter, falecido em dezembro de 2015, aos 47 anos, notabilizou-se no mainstream à cena underground pela criatividade singular diluída em várias fases. Vai desde os anos 1980 com as bandas TNT e Cascavelletes até chegar ao período psicodélico, que lhe valeram os cultuados trabalhos Plastic Soda (1999) e A Sétima Efervescência (1997) – este trazendo o hino Um Lugar do Caralho.
Recheado de fotos raríssimas do artista, a obra, resultado de dois anos de trabalho, capta com precisão o complexo espírito mutante do artista que, por meio de alguns alter egos, se metamorfoseou dentro de várias experimentações sonoras. Tudo dentro de estilo particular e ousado.
“Um grande diferencial do Júpiter era justamente acrescentar muito de sua personalidade e vivências na música que produzia, não se satisfazendo em apenas emular os ídolos. Ele amava Beatles e Rolling Stones, mas fazia a música de Flávio Basso”, observa Brandt. “Era um músico habilidoso e de talento raro, sem o qual ficaria apenas na intenção, não na realização”, destaca.
Está tudo lá. Os tempos de guri em Porto Alegre, a paixão pelo som dos anos 1960 de carona nas músicas dos Beatles, Stones e The Who – fundamental para a construção de identidade sonora retro sixties –, o gostinho do sucesso nacional alcançado com o hit Nega Bombom, dos Cascavelletes, na novela Top Model (1989), enfim, as quedas e tretas que encarou entre o pop ousado e o alternativo rebelde. Tudo com muita anarquia, álcool, ruído e distorção.
“O fato do Júpiter não ter sido maior é culpa dele, não da indústria ou de quem quer que seja. Além do alcoolismo – que começou a fazer um estrago maior em sua vida a partir da morte de seu único filho, em 2001 –, ele deixou passar várias boas oportunidades importantes para o tornar mais conhecido”, avalia Brandt.
Lançado no ano em que o artista completaria 50 anos, o livro passa a limpo a história conturbada de um dos ícones do rock indie nacional. De lambuja, Júpiter Maçã: A Efervescente Vida e Obra presenteia o leitor com um panorama da cena musical gaúcha, uma das mais eletrizantes do país e do BRock. Vale a pena conferir…