Halloween: celebre o Dia das Bruxas revisitando 3 clássicos do terror
A Penguin Companhia – braço da editora Cia das Letras – relança Drácula, Frankenstein e O Médico e O Monstro
atualizado
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A história é conhecidíssima no meio literário. Numa tempestuosa noite escura de 1816, às margens do Lago Genebra, na Suíça, em meados de junho, um grupo de amigos excêntricos se reúne na luxuosa Vila Diodati para uma competição arrepiante: criar histórias de terror. Entre os presentes, encontravam-se o anfitrião Lord Byron, o médico John Polidori e o casal Percy e Mary Shelley, que trazia a tiracolo uma meia-irmã aos flertes com o dono da casa.
Mesmo insegura diante de afetadas e descoladas amizades, Mary, então uma jovem de 18 anos apenas, seguiu em frente e descrevia assim sua criatura bizarra que, passados mais de 200 anos, ainda habita o imaginário popular. “Sua pele amarelada mal cobria a trama de músculos e artérias, seus cabelos, de um negro lustroso, eram abundantes, seus dentes, de uma brancura perolada…”, narrava a jovem escritora.
Nascia assim um dos maiores sucessos da literatura de terror, Frankenstein que, neste mês dedicado às bruxas, surge como sugestão de leitura da Penguin Companhia – braço da editora Cia das Letras dedicado à republicação de clássicos literários – junto com O Médico e O Monstro (1886) e Drácula (1897). As três obras representam um marco no gênero, sendo, cada uma a seu modo e estilo, precursoras das histórias de suspense.
“Apesar de todos os sustos que sempre despertou nos leitores, Frankenstein era um livro sério. Era uma suma das ideias de Jean-Jacques Rousseau em O Contrato Social, do naturalista Erasmus (avô de Charles) Darwin, da mitologia grega e de preocupações religiosas”, escreve o jornalista e biógrafo Ruy Castro no posfácio da obra. “Está cheio de implicações metafísicas sobre Deus, o homem e a mulher sobre as consequências do homem ao decidir criar outro homem”, continua.
Publicado em 1818, quando Mary Shelley tinha 21 anos com o subtítulo de O Prometeu Moderno – numa referência à passagem da mitologia grega sobre o herói acorrentado no topo de uma montanha por roubar o que pertencia aos deuses do Olimpo –, Frankenstein é reconhecido pelos especialistas como o pai da ficção científica moderna. Não é difícil de entender os motivos.
“O século 19 foi um momento de grandes descobertas científicas e isso fomentou a discussão sobre até que ponto a ciência pode e deve chegar. Frankenstein foi a resposta de Mary Shelley para essa questão”, comenta Stella Carneiro, editora de texto da Companhia das Letras e uma apaixonada pelo tema. “Essas três obras foram além do papel e se tornaram parte da cultura popular”, defende.
Questão ética e moral
Na trama, Victor Frankenstein é um cientista com a ambição de ser Deus. Obcecado pela criação da vida, vilipendia cemitérios na calada da noite em busca de carcaças podres capazes de servir para o seu experimento ousado. Numa dessas jornadas insanas, encontra o que lhe interessa e, por meio de uma descarga elétrica vinda de um relâmpago furioso, alimenta as forças de um humanoide cuja brutalidade é proporcional a sua ingenuidade intelectual.
“O anjo caído se torna um demônio maligno”, narra, com referências bíblicas, a autora.
A possibilidade do surgimento da vida artificial parecia tão apavorante no começo do século passado, que o clássico filme de 1931, com Boris Karloff no papel-título, quase não saiu do papel. Os produtores temiam questionarem o fato de uma aberração ser ressuscitada a partir de defuntos.
Filha de intelectuais aristocratas radicais – o pai era um filósofo anarquista polêmico e a mãe escritora feminista pioneira –, Mary Shelley, que tem sua vida contada pelas lentes da primeira cineasta saudita da história em filme ainda inédito no Brasil, recheou sua narrativa perturbadora fazendo uso dos principais debates de seu tempo. Entre eles, destacavam as descobertas científicas da época, como a chegada da energia aos lares.
Coincidência ou não, no ano da publicação de Frankenstein, uma experiência do balacobaco foi colocada em curso: correntes elétricas seriam usadas para ressuscitar um cadáver. Os relatos dão contam de que o corpo sem vida serviu de cobaia e sofreu uma breve convulsão, os dedos contorceram, mas, ao contrário da célebre criatura idealizada por Mary Shelley, continuou inerte e estática onde estava.
Embora a obra de Mary Shelley surja como um aceno para a ciência do início do século 19, a grande questão do livro é ética e moral. Vai além do debate pseudo metafísico sobre transgredir os limites do conhecimento e das leis divinas, questionando temas como a formação do caráter forjado não a partir de qualidades naturais, mas por acontecimentos.
Sangue e esquizofrenia
Talvez das três publicações, a mais famosa e a que mais ganhou versões em vários segmentos, sobretudo no cinema – quase 200 produções – seja Drácula, do irlandês Bram Stoker. O texto discute, sob o signo da maldade e da sexualidade, o mito da vida eterna. Não tem como o leitor evitar se esgueirar pelos libidinosos caminhos da luxúria e da dominação quando, lascivamente, o cavaleiro das trevas morde o pescoço de suas vítimas, quase todas, jovens virginais.
“Muito sangue, algum suor e nada de lágrimas”, segue a máxima do prazer do vampiro que deixou sua fria Transilvânia para assombrar a humanidade desde a publicação da obra em 1897 e se tornar um ícone pop da literatura universal.
Com narrativa construída pelo autor por meio de transcrições de carta, telegramas e trechos de diários dos personagens, a obra marcou a transição do romance gótico – dramas medievais melodramáticos com personagens apresentando deformações psicológicas – para histórias de terror moderno. Basta considerar a presença na trama de peças tecnológicas inovadoras à época, como a máquina de escrever.
Imortalizado nas telas do cinema com a versão cinematográfica de 1941 protagonizada por Spencer Tracy, O Médico e O Monstro, do escocês Robert Louis Stevenson, é a mais curta das três tramas de terror reeditadas pela Penguin Companhia. É o drama de um homem bondoso vencido pela degeneração de sua mente, ou melhor, pela dupla personalidade que atormenta o lado mais perverso de sua alma, levantando as questões da bipolaridade e esquizofrenia.
Escrito em fulminantes três dias, essa curta novela narra a história de um médico pacato que numa “noite maldita” bebe uma poção avermelhada fumegante, tendo sua persona transformada na diabólica figura de Mr. Hyde e o trocadilho do nome em inglês não deixa “esconder” suas macabras intenções. A esposa do autor ficou tão apavorada com a trama, que ele jogou os escrito no fogo, reescrevendo tudo novamente em três febris dias.
Considerado por especialistas um primor da escrita concisa, O Médico e O Monstro prestou grande serviço à sociedade britânica em 1888. Ano no qual o fenômeno psicológico explorado na obra de Stevenson foi invocado para explicar uma forma nova e metropolitana de selvageria sexual, os assassinatos de Jack, o Estripador, psicopata que aterrorizou os cidadãos naquele ano pelas cinzas e sombrias ruas de Londres.