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Felipe Recondo: “Os ministros não sabiam o que viria depois do golpe”

O jornalista lança, nesta quarta (9/5), Tanques e Togas, livro que trata da configuração do Supremo Tribunal Federal durante a ditadura

atualizado

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Alexia Fidalgo/Divulgação
Felipe Recondo RED
1 de 1 Felipe Recondo RED - Foto: Alexia Fidalgo/Divulgação

O jornalista Felipe Recondo lança, nesta quarta-feira (9/5), o livro Tanques e Togas – O STF na Ditadura Militar. O evento acontece na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi (Lago Norte) a partir das 19h, e contará com sessão de autógrafos e debate com a participação do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence.

É a primeira vez que uma obra trata, especificamente, do papel dos ministros do Supremo no período dos anos de chumbo do Brasil. Felipe Recondo – detentor de um Prêmio Esso de Jornalismo – fundamenta-se em documentos e depoimentos inéditos recolhidos durante 10 anos de apuração, nos quais se baseiam as 336 páginas do livro. “A ideia é ajudar o leitor a compreender o tribunal daquele momento e dar mais elementos para seu julgamento nos dias de hoje”, ressalta Recondo.

O Metrópoles conversou com o autor sobre as motivações e as dificuldades durante a pesquisa:

Nenhum outro autor brasileiro teve o desejo de investigar a posição do STF durante a ditadura. Por que decidiu mexer nesse vespeiro?
É realmente um tema complexo e difícil de ser apurado. Mas não sei se mexi num vespeiro, até porque minha obsessão no projeto foi compreender o Supremo daquela época, traçar os cenários que circundavam as decisões polêmicas e tentar descrever para o leitor algo que o ajudasse a fazer seu juízo de valor. Já fazendo um spoiler, não chego à última página dando uma resposta para o maniqueísmo que marca esse assunto – se o Supremo resistiu ou se curvou à ditadura. Fui pesquisar para compreender a instituição. Achava que era importante conhecer o passado para cobrir o STF de hoje.

Há vários projetos acadêmicos sobre esse período, pesquisas nas universidades, teses de mestrado e de doutorado, todos muito valiosos e que ajudaram a compreender aquele momento. Apesar desses estudos, sentia falta de algo jornalístico. E foi o que me propus a fazer.

Quanto tempo de pesquisa foi necessário para recolher os documentos e depoimentos que compõem a obra, e o que mais atravancou o projeto?
Iniciei a pesquisa há aproximadamente 10 anos. Entrevistei os ministros do passado, inclusive que compuseram o Supremo durante o governo militar, ministros da atual composição, advogados que atuaram naquela época, familiares de ministros, servidores e ex-servidores, integrantes do Ministério Público. Também pesquisei documentos nos arquivos dos órgãos de inteligência, acórdãos de processos julgados e arquivos pessoais.

No início, houve um problema legal para obter o dossiê produzido pelos órgãos da ditadura sobre o ministro Hermes Lima, que foi cassado pelo governo militar. Por quê? Porque a legislação na época exigia que um parente autorizasse o acesso aos documentos. Mas o ministro não teve filhos e essa autorização foi impossível. Depois, a lei foi alterada e consegui analisar as informações.

Uma dificuldade estava relacionada a outro documento. Mas a dificuldade era de outra natureza. O ministro Aliomar Baleeiro, indicado pelo governo militar para o STF, deixou cinco volumes de diários contando em detalhes histórias interessantes do tribunal daquela época. Demorei bastante tempo para entender a caligrafia e transcrever tudo. Mas o que mais atravancou mesmo foi combinar a escrita do livro com a rotina de cobertura do Supremo.

Sofreu com algum tipo de resistência seja de ex-ministros ou dos atuais?
De forma alguma. Pelo contrário. O ministro Xavier de Albuquerque, por exemplo, me concedeu duas longas entrevistas sobre aquele período. Foi uma conversa interessante, pois ele pôde olhar com distanciamento de tempo aquele período e fez ótimas análises. Entrevistei por horas também os ministros Paulo Brossard – que era parlamentar à época –, Sepúlveda Pertence – que foi assessor do STF durante a ditadura e me ajudou com sua visão –, Octavio Gallotti – memória viva do Supremo e filho do ministro Luiz Gallotti, personagem central daquela época.

E dos ministros de hoje só recebi estímulos. O ministro Celso de Mello foi quase um orientador do projeto. A ministra Cármen Lúcia me abriu portas. O ministro Gilmar Mendes, Barroso, Marco Aurélio… enfim, vários contribuíram de alguma maneira.

É possível dizer que o Supremo preferiu se omitir durante a ditadura ou realmente não tinha as prerrogativas necessárias para interferir?
Os ministros não sabiam o que viria pela frente. Depois do golpe, ficaram na expectativa do que aconteceria. Desconfiavam, e com razão, que estavam na mira dos militares. Hoje, claro, sabemos no que deu o golpe de 64. Mas, imagine, naquele momento ninguém sabia o que viria pela frente. A intervenção seria pontual? Era o que se esperava. Haveria novas eleições? Era o que imaginava-se. Mas ninguém sabia, no dia 31 de março, que teríamos censura, tortura, suspensão de garantias, etc. Soma-se a isso, um fato da realidade: o que houve foi um golpe militar. Contra isso, o Supremo nada tinha a fazer.

Depois, como você bem mencionou na sua pergunta, havia a dificuldade ferramental do Supremo para atuar contra abusos cometidos pela ditadura. O tribunal de 64 não tinha o mesmo poder e os mesmos instrumentos que o Supremo de hoje. E nenhum partido de oposição podia, naquela época, ajuizar uma ação para contestar a constitucionalidade de um ato do governo. A combinação desses e outros fatores dá o desenho do STF de 64. Desenho, ressalte-se, que piorou com o Ato Institucional número 5 e com as cassações de ministros.

Qual a importância de levantar esse debate em um momento em que as decisões dos ministros do STF estão tão expostas e determinando sobremaneira no direcionamento político do país?
O Supremo não nasceu hoje. Como qualquer instituição, o tribunal é fruto de uma construção. Ele já sobreviveu a vários momentos de dificuldade, como no governo Getúlio Vargas, inclusive com a aposentadoria compulsória de ministros. É fruto da construção de seus integrantes ao longo dos 127 anos e da interação do tribunal com outros poderes e com a sociedade.

É interessante ver que os cálculos institucionais que são feitos hoje também eram realizados no passado. Em vários momentos, o Supremo decidiu recuar para evitar confrontos maiores, disputas das quais certamente sairia derrotado. A ideia era ajudar o leitor a compreender o tribunal daquele momento e dar mais elementos para seu julgamento. O livro, ressalto por último, não tem a pretensão de esgotar o assunto. Há muito ainda a ser discutido e estudado.

Tanques e Togas – O STF e a Ditadura Militar
De Felipe Recondo, Companhia das Letras. 336 páginas. Preço: R$ 59,90

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