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Em Ironias do Tempo, Verissimo reúne crônicas sobre um país atemporal

Livro organizado por Adriana e Isabel Falcão revisita textos escritos pelo gaúcho ao longo das últimas duas décadas

atualizado

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Luis Fernando Verissimo
1 de 1 Luis Fernando Verissimo - Foto: Divulgação

É, meu chapa, a vida não está fácil nem para Papai Noel, pelo menos aqui no Brasil, onde esse tal de espírito natalino já foi para as cucuias há muito tempo. Outro dia mesmo, nas ruas de uma grande metrópole, o bom velhinho, com gorro na cabeça, modelito vermelho tradicional e saco nos ombros, tentou fazer uma entrega num condomínio de luxo e foi barrado. A treta, com ares de fábula urbana natalina no melhor estilo Netflix, começou assim:

“Doutor, tem um senhor aqui na portaria que diz que é o Papai Noel”, interfona o porteiro, que ouve do outro lado uma voz exaltada. “Diz pra ele deixar de brincadeira e dizer o nome verdadeiro!”, devolve o destinatário medroso.

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O episódio, que descamba num longo diálogo nonsense que envolve ainda duendes, Polo Norte e caligrafia de crianças, termina com o dono do pacote não recebido gritando no interfone: “Corre com esse vagabundo!”. Publicada no Estadão há 20 anos, na véspera do Natal, a crônica de Luis Fernando Verissimo, agora lançada na coletânea Ironias do Tempo (Objetiva), infelizmente é mais atual do que nunca ao abordar o tema da violência.

Ao todo, são 77 textos escritos pelo autor ao longo de duas décadas em várias publicações do país, a maioria no Estadão, em que colabora desde 1989. O trabalho de seleção do vasto material coube à escritora Adriana e à professora Isabel Falcão, mãe e filha. A primeira é roteirista da TV Globo, colunista e ex-mulher do cineasta João Falcão. A segunda, filha dos dois, é irmã de Clarice Falcão e tem formação em letras e experiência inicial no mercado editorial.

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No início, a grande dificuldade das duas era encontrar um fio condutor comum que pudesse gerar uma coletânea num montante de mais de mil crônicas lidas. O “clique” aconteceu quando perceberam semelhanças perturbadoras em textos escritos com mais de 10 anos de distância. Ou seja, por ironia do destino, passados 20 anos no Brasil, tragicamente pouca coisa ou quase nada mudou no país.

Flagrantes do cotidiano
Marcadas pela concisão, perspicácia nos flagrantes do cotidiano e observação precisa dos detalhes, as crônicas de Verissimo são para ser lidas rindo, mesmo que o assunto nos faça chorar. Sobretudo diante da triste constatação da repetição de nossas tragédias sociais e políticas num prazo de duas décadas. Assim, temas desagradáveis e polêmicos são sempre abordados pelo escritor com muito bom humor, elegância crítica e, claro, ironia.

Em A Primeira Pedra, por exemplo, o autor gaúcho faz uma releitura divertida da famosa passagem bíblica em que Cristo se zanga com pecadores demagogos, contextualizando o episódio com a política sem caráter brasileira. “Evitem a hipocrisia e o moralismo relativo. E, se possível, a política partidária”, diz Jesus quando indagado por um fariseu qual a lição de tudo o que aconteceu.

A corrupção generalizada, desavergonhada e imoral que assola o país vira blague, e das boas, na crônica Grampos, norteada pelos sempre primorosos diálogos. Aqui, dois sujeitos desesperados metidos em operações criminosas se pegam fingindo, infantilmente, não saber quem é um ou outro no telefone, para não se comprometerem. Impagável!

“Como é o seu nome?”, diz um deles. “Só digo o meu se você disser o seu”, devolve o outro. “Diga o seu primeiro”, continua o primeiro. “Diga você primeiro”, responde o segundo, finalizando com o infantil: “Você”, “Você”, “Você”, “Você”…

Em Conspiração, texto publicado em 2011, Luis Fernando Verissimo, na ironia das ironias, imagina como o país será visto no futuro, quando o Brasil era pilotado, num clima de ódios acirrados e corrupção desenfreada, por gente como Vilma, Lulu, Eduardo Fuinha, Renan Baleeiro e Gilmar Mentes.

O mais triste de tudo é que parece que esse futuro já chegou…

Ironias do Tempo
De Luis Fernando Verissimo. Organização de Adriana e Isabel Falcão. Editora Objetiva (Companhia das Letras), 210 páginas, R$ 49,90

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