Conheça José Almeida Júnior, o autor de Brasília que disputa o Jabuti
Potiguar radicado em Brasília recebeu indicações aos principais prêmios literários já em seu primeiro livro, Última Hora
atualizado
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Defensor público do Distrito Federal, José Almeida Júnior fez a estreia dos sonhos de qualquer escritor. Natural de Mossoró (Rio Grande do Norte), o servidor ganhou o Prêmio Sesc de Literatura, vitória que possibilitou a publicação de Última Hora, seu primeiro trabalho a chegar ao mercado, por um grande selo, a editora Record.
Quase um ano depois, o potiguar é finalista dos prestigiados prêmios Jabuti (melhor romance) e São Paulo de Literatura (melhor livro de autor estreante de até 40 anos). O resultado de ambos sai em novembro.
Ele se mostra surpreso com a repercussão. “Achei que não era ‘literatura de prêmio’. Não tem uma linguagem poética. É seca, quase jornalística. Mas muita gente apontou isso como coisa positiva. Acho que, nesse momento que a gente vive, de polarização e ânimos acirrados, o livro se destacou. É político sem ser panfletário”, define.
O servidor é mais um artista com carreira forjada em Brasília a figurar entre os principais nomes literários do Brasil. No ano de 2006, o repórter do Metrópoles Eumano Silva faturou a honraria com a obra Operação Araguaia: Os Arquivos Secretos da Guerrilha (parceria com Tais Morais).
Em 2010, José Rezende Jr. venceu o Jabuti pela reunião de contos Eu Perguntei Pro Velho Se Ele Queria Morrer. Ano passado, João Almino, também de Mossoró, entrou para a Academia Brasileira de Letras, sem falar nas várias indicações e prêmios conquistados por títulos como Cidade Livre e O Livro das Emoções.
Aos 35 anos, Almeida Júnior mora há 11 em Brasília. Tornou-se escritor na capital federal, cidade que escolheu para morar quando prestou concurso público logo após se formar em direito na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Veio com a então noiva e atual esposa, a empresária Vanessa. O casal tem dois filhos, Arthur, 6, e Davi, 1, embalado no colo do pai enquanto ele fazia as últimas revisões do livro.
O autor escreveu Última Hora, uma ficção histórica ambientada na década de 1950, durante a noite, depois de a família se deitar para dormir. A partir das 22h e, às vezes, madrugada adentro, Almeida Júnior criou o personagem Marcos, jornalista e militante comunista, e o posicionou em um Brasil real, em grave crise política.
Marcos mal consegue pagar as contas e sustentar a mulher, Anita, e o filho adolescente, Fernando. Trabalha para um veículo de inclinação comunista. Aflito, aceita convite do editor-chefe Samuel Wainer para assumir uma cadeira na redação do Última Hora, jornal criado pelo presidente Getúlio Vargas. O protagonista, entre outras coisas, foi torturado na ditadura do gaúcho nos anos 1930. Agora, assume as contradições de um homem em constante conflito.
“Muita gente diz que ele é um canalha, mas gosta dele”, brinca o potiguar, que buscou a matéria-prima para burilar Marcos em livros de memórias de ex-jornalistas do Última Hora. A vontade criativa se somou a um interesse inesgotável pela história do país.
Getúlio sempre me fascinou pela importância política dele, que pauta até hoje a maioria dos temas. O trabalhismo que ele fundou foi seguido depois por PT e PDT. Deixou Jango [João Goulart] e Brizola como herdeiros políticos. Sua própria morte foi um ato político
José Almeida Júnior
Infância de livros
Na adolescência em Mossoró, construiu sua formação literária comprando numa loja de R$ 1,99 coleções de livros encartadas em grandes jornais, como Folha e Estadão. Conheceu Machado de Assis, Lima Barreto, José de Alencar. Nas bibliotecas, mergulhou nas obras de Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Lins do Rego, entre outros mestres.
Mas o primeiro romance histórico lido por ele foi Agosto, de Rubem Fonseca. Talvez não por acaso, uma narrativa que se debruça sobre os eventos que antecederam o suicídio de Vargas, no mês oito de 1954, época também retratada com detalhes em Última Hora.
Além das indicações a prêmios, Almeida Júnior viajou bastante com seu título de estreia. Participou de eventos como Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), Bienal de São Paulo, Feira do Livro de Brasília e Bienal Brasil do Livro e da Leitura, também no DF.
Em Portugal para uma programação do Sesc, aproveitou a viagem para conhecer locações e enriquecer seu próximo trabalho, em fase de edição. Desta vez, ele volta ao século 19 para elaborar o protagonista de O Homem que Odiava Machado de Assis, cujo lançamento, via editora Faro, é planejado para junho de 2019, mês que marcará o aniversário de 180 anos de nascimento do clássico escritor.
“Fiz o livro a partir de um mistério na biografia de Carolina Augusta, esposa de Machado. Ela veio de Porto para o Brasil com um músico chamado Arthur Napoleão. Conheceu Machado e se casou. Quando Napoleão morreu, deixou memórias escritas. Nelas, ele diz que não pode revelar detalhes de como Carolina veio parar no Brasil”, conta o potiguar.
Antes de morrer, Assis mandou queimar toda a correspondência entre Carolina e Napoleão. Sobraram somente duas cartas. Em uma delas, o português menciona algo sobre a conterrânea ter sofrido muito na terra natal. Essa era a brecha que Almeida Júnior precisava para inventar o protagonista do livro e explorar a desilusão amorosa da personagem.
Mesmo com afazeres diversos, entre família, trabalho e literatura, o autor já começou uma nova narrativa de fôlego, ainda sem título. Personagens de Última Hora devem retornar, como Marcos e Fernando, em uma história pré-golpe militar de 1964. A inauguração de Brasília, cidade em que o funcionário público se descobriu escritor, também deve ocupar naco fundamental da obra.
“Jango tomou medidas absurdas, como congelar os aluguéis na época da inflação. Quero mostrar como aquele período impactou a vida das pessoas, da população comum, a sede de poder dos militares e as trapalhadas da esquerda”, aponta.
E que tal arriscar alguns parágrafos sobre o angustiante Brasil atual? Talvez seja melhor deixar para as próximas gerações ou um futuro bem distante. “Escrever sobre o que está acontecendo é muito arriscado”, pondera.