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Anna Muylaert lança contos escritos antes da carreira de cineasta

Textos reunidos em Quando o Sangue Sobe à Cabeça antecipam temáticas que seriam aprofundadas em filmes como Que Horas Ela Volta?

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Gleeson Paulino/Divulgação
Anna Muylaert, diretora de cinema
1 de 1 Anna Muylaert, diretora de cinema - Foto: Gleeson Paulino/Divulgação

Muito antes de dirigir filmes como Que Horas Ela Volta? e Mãe Só Há Uma, Anna Muylaert foi uma aspirante a cineasta em um país no qual o cinema havia morrido. No início da década de 1990, com a economia em frangalhos e a Embrafilme extinta pelo Programa Nacional de Desestatização do então presidente Fernando Collor de Mello, o cinema nacional sofreu um apagão: apenas três longas foram produzidos no Brasil em 1992.

A saída, para Muylaert, foi partir para a literatura. Agora, a editora Lote 42 reúne seis contos escritos por ela entre janeiro de 1993 e agosto de 1995 no livro Quando o Sangue Sobe à Cabeça.

“Eu queria me conhecer enquanto autora de ficção. Os contos seriam uma forma barata e possível de me conhecer, de conhecer meus personagens”, relembra Anna Muylaert em entrevista ao Estado. “Esse livro foi um laboratório para fazer ficção autoral. Foi aí que eu descobri quais histórias queria contar, para depois levar ao cinema.”

De fato, espalhados pelas seis breves narrativas estão personagens, dramas e temáticas que viriam a se espelhar, de forma mais ou menos fiel, na filmografia de Muylaert. Ali estão as angústias e pressões da vida feminina, a alienação das madames de classe média alta, as questões ambíguas que definem a vida de trabalhadoras domésticas, assuntos que retornam em filmes como Chamada a Cobrar (2012).

A única adaptação literal é o curta A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti (1995), que transpõe para a tela o hilário conto homônimo da criança que desvirtua a aula de Ciências ministrada por uma professora iniciante sobre o nascimento dos pintinhos ao relatar sua hipótese a respeito da maneira pela qual os bebês são concebidos, inspirada por uma cena perturbadora que havia testemunhado entre os pais.

O conto que dá nome à coletânea é talvez o mais forte, e certamente o que mais reverbera em seu filme de maior sucesso até hoje, Que Horas Ela Volta? (2015). O roteiro do longa estrelado por Regina Casé, aliás, está sendo lançado em livro pela coleção Roteiros do Cinema Brasileiro da Klaxon Cultura Audiovisual, com prefácio da jornalista Eliane Brum e transcrição de uma longa entrevista com Muylaert, além de ricamente adornado com fotos do filme.

Quando o Sangue Sobe à Cabeça narra, com uma cronologia fragmentada, o colapso de um núcleo familiar há muito desgastado. Marido e mulher não se suportam – nem mantêm relações – há meses; ele a traiu com a empregada, ela foge de casa. A filha do casal está prestes a menstruar pela primeira vez, e seu avô só pensa na morte que se avizinha. As tensões se avolumam até um ponto sem retorno, e quem sofre as consequências de forma mais drástica é justamente a doméstica.

Há, claro, uma série de diferenças entre a escrita literária e a criação cinematográfica de Muylaert. “No roteiro, o que você está trabalhando é a estrutura narrativa, os diálogos, você trabalha muito mais a emoção cena a cena, o que vai levar ao espectador. No cinema, o que você escreve ninguém vai ler, só os atores. Na literatura, a palavra é o produto final, é a palavra que tem valor”, analisa ela.Como principal influência para seus contos, Muylaert cita dois gigantes da literatura brasileira.

“Nessa época, eu lia muito Nelson Rodrigues, ele foi uma grande inspiração nos diálogos. Ele tem essa coisa do cotidiano, do prosaico. Embora eu não ache uma literatura rodriguiana. Também me influenciei muito por Machado de Assis, essa ironia, essa acidez dele.”

Em 2019, Muylaert presidiu a comissão que escolheu A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, como o indicado brasileiro à disputa pelo Oscar 2020. Hoje em dia, diferentemente de quando iniciou sua carreira, ela vê um bom panorama para o cinema nacional. “Houve uma expansão incrível motivada pelas políticas públicas de valorização da pluralidade. Há muitos filmes bons acontecendo por ano. Melhorou tudo, tanto técnica quanto artisticamente, tanto que estamos em todos os festivais importantes.”

Apesar disso, Muylaert alerta para o perigo de uma regressão no cinema brasileiro caso as políticas públicas de estímulo às produções nacionais não se mantenham.

Enquanto se isola durante a pandemia de coronavírus, ela trabalha para ajeitar os últimos retoques de seu novo roteiro e, no fim de 2020, Muylaert espera começar a rodar seu próximo longa, O Clube das Mulheres de Negócios. “É um filme no estilo dos meus anteriores. Um drama que também é engraçado, tenso. Será sobre constrangimento de gênero, principalmente no ambiente profissional”, revela Muylaert.

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