A Máquina do Tempo: H. G. Wells tem visão pessimista sobre humanidade
Primeira obra a falar sobre viagem no tempo, clássico da ficção científica ganha edição especial com ilustrações inéditas
atualizado
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Foi um pandemônio daqueles. Novembro de 1938. Um jovem atrevido vira manchete mundial ao transformar versão radiofônica de A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, numa grande confusão nacional nos Estados Unidos – quando as pessoas ligaram o rádio no justo momento em que os “marcianos invadiam a Terra”. A histeria provocou engarrafamentos enormes, suicídios, abortos e quebradeiras.
Exibido com estardalhaço pela CBS, o episódio serviu para ilustrar duas coisas: o talento do menino-prodígio Orson Welles, que dali sairia direto para as filmagens do revolucionário Cidadão Kane (1941), e a força narrativa das tramas de um dos pioneiros da ficção científica. Na época do incidente, H. G. Wells, então com 74 anos, nem deu pelota ao caos generalizado.
“Wells foi um dos escritores mais influentes de sua época, criou imagens e narrativas que transcendem o tempo e a sociedade inglesa de sua época”, observa o escritor, poeta, compositor, letrista, dramaturgo e roteirista, Braulio Tavares, tradutor de A Máquina do Tempo, obra de impacto de Wells à venda numa reedição de luxo especial com ilustrações inéditas e informações extras da Suma (braço da Cia. das Letras).
Em 2016, a editora havia lançado, com esse formato de luxo r tradução de Thelma Médici Nóbrega, aquela que talvez seja a obra mais festejada do autor: A Guerra dos Mundos (1898). Originalmente publicado em 1895, A Máquina do Tempo marca a estreia de H. G. Wells na literatura, então um jovem jornalista de 29 anos. Coincidência ou não, a publicação saiu no mesmo ano de outra engenhoca de fabricar sonhos: o cinema.
Fruto de intermináveis discussões com colegas do laboratório de ciências de Londres, o livro é o primeiro a trazer um aparato tecnológico que pudesse levar o homem a viajar no tempo. Antes essas aventuras na literatura tinham como transporte recursos fantasistas como um sonho, uma visão ou poção mágica.
Também tradutor e autor dos prefácios de outros títulos do escritor no Brasil, como A Ilha do Dr. Moreau (1896) e O Homem Invisível (1897), Braulio Tavares observa que H.G. Wells foi um homem influenciado pelos pensamentos científicos e sociais de seu tempo, entre eles, a mentalidade industrial do final do século 19. “Não apenas isso, mas das especulações da física teórica na fase pré-Einstein, pré-Relatividade”, destaca o tradutor, no momento viajando o país com a peça Suassuna – O Auto do Reino do Sol.
Regressão da humanidade
Na Inglaterra vitoriana do século 19, um cientista se lança nas garras do espaço após construir uma máquina capaz de viajar no tempo. Num simples gesto de alavanca, ele chega ao futuro, no distante ano de 802.701, um mundo diferente do que esperava encontrar. Ali, anos-luz à frente de sua época, a humanidade, numa variação ao contrário da evolução das espécies de Charles Darwin (1809 – 1882), parece ter regredido.
“Eu tinha criado para mim mesmo a mais inexplicável e a mais inapelável armadilha já construída por um homem”, se apavora o narrador. “Quando partir na máquina do tempo, foi com a noção absurda de que os homens do futuro estariam sem dúvida muito à nossa frente em todos os aspectos práticos”, lamenta nosso aventureiro do tempo.
Na superfície verdejante de um lugar tomado pela felicidade e paz, sem sofrimento, pragas e ambição agora vivem os gentis Elois, descendentes de humanos que um dia, veja só, estavam à frente de uma grande civilização. Na época simpatizante do socialismo, em dado momento da trama H. G. Wells chega a flertar com os ideais de Lênin e Stalin e tece reflexões pontuais sobre a luta de classe vigente, sobretudo, no seu país.
“Tomando como base os problemas de nossa própria época, pareceu claro como a luz do dia que a chave para tudo era o aumento gradual para a distância social, meramente circunstancial, que existe entre o Capitalista e o operário”, compara o autor, citando a estranha relação de opressão entre os dóceis Elois e os temidos Morlocks, que vivem nas profundezas do subterrâneo.
A Máquina do Tempo de Wells traz premissa pessimista quanto aos desmandos da humanidade, se comparada com outras obras visionárias do gênero, vide seu antecessor Jules Verne. Mas essa visão melancólica do futuro, não tira a perenidade do livro. Pelo contrário.
“Wells teve grande importância não só como autor de Ficção Científica, mas tem romances sociais e de costumes muito elogiados, também teve um grande ativismo a favor da ciência e contra a guerra”, sacramenta Braulio.