Nova onda da internet! Influencers mirim conciliam trabalho e diversão
O Brasil não tem regulamentação específica a respeito do trabalho artístico de crianças ou adolescentes. Pais precisam ter atenção
atualizado
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Influenciadores mirins, blogueirinhos, youtubers, instagrammers ou tiktokers. São muito os nomes para falar das crianças e adolescentes que estão bombando nas redes sociais. Ter um perfil famoso é a vontade de muitos usuários. Já pensou em ganhar mimos e até gerar uma renda se divertindo? Parece ser interessante, né? Mas é importante dobrar a atenção quando o assunto é a diferença entre a diversão e o trabalho infantil.
É o que aponta a psicóloga Bruna Cavalcanti: “É extremamente importante que os conteúdos sejam produzidos de forma lúdica. Se eu vou fazer vídeo abrindo um brinquedo, que seja feito de uma forma divertida ou então que se aproveite até mesmo um momento em que a criança esteja brincando, jogando, realmente se divertindo”.
Esse é o exemplo do canal de YouTube Hoje é Dia de Marias, que conta com o protagonismo de Maria Clara, de 10 anos, e de Maria Eduarda, 11. As irmãs já somam mais 6,4 milhões de inscritos e com alguns vídeos com o mesmo alcance da cantora Marília Mendonça, por exemplo. O sucesso é grande, mas a mãe da duplinha, Meire Rodrigues, afirma que tudo é feito de uma maneira orgânica.
“Começou com uma brincadeira, elas assistiam muito ao canal da Júlia Silva e decidiram se espelhar. Sempre me pediam para fazer vídeos, até que um dia a Maria Eduarda fez uma gravação abrindo um Kinder Ovo e de lá para cá nunca parou. No início, a gente não sabia como fazia nada, mas fomos pesquisando. Hoje, aprendo muito com elas, principalmente na parte da edição”, explica Meire Rodrigues.
A mãe das meninas relata que a essência do canal e o sucesso se deve pela espontaneidade: “Geralmente, quando vamos fazer um vídeo, por exemplo, na piscina ou andando de bicicleta, aproveitamos a hora que elas vão brincar. Gravamos em um dia e soltamos no outro”.
Meire Rodrigues ainda argumenta que com a pandemia o fluxo de vídeos diminuiu: “As meninas estudavam de manhã, passavam a tarde brincando e gravávamos, às vezes, pela parte da noite, mas com a quarentena tudo mudou. Agora cada uma estuda em um horário, uma tem aula de manhã e a outra à tarde e acaba que o tempo de todos aqui diminuiu, os pais acabam assumindo também o ‘papel de professor'”.
Ela alerta ainda que começou a monetizar os vídeos recentemente, mas o dinheiro do YouTube não é a renda fixa da família. Os pais são guias de turismo.
Nova fase
A mãe ressalta também que respeita muito a idade das meninas: “Agora elas estão crescendo e mudando o estilo, não querem mais fazer novelinha, estão na onda dos games”.
A psicóloga Bruna Cavalcanti lembra que é importante notar o comportamento dos adolescentes que trabalham nas redes sociais. “Esse é o novo entretenimento, gravar um vídeo para o Tik Tok, fazer uma dancinha um desafio. Aflora a criatividade”.
Bárbara Alves, 15, começou durante esta quarentena a fazer vídeos para o Tik Tok, uma brincadeira que resultou em mais de 56,7 mil seguidores. ” Não comecei com a intenção de ter muitos seguidores, só queria postar vídeos engraçados. Foi uma forma de me distrair das coisas ruins deste 2020″, comenta.
“Fiquei muito surpresa quando comecei a ganhar seguidores e comentários fofos, é uma sensação muito boa saber que você está conseguindo fazer o outro sorrir. Sei que quero crescer muito mais no Tik Tok e estou me dedicando”, diz Bárbara.
A mãe de Bárbara, Tatiana Freire, está muito orgulhosa da filha e percebe que, durante os vídeos, ela trabalha a criatividade e a espontaneidade. A jovem tem, igualmente, desenvolvido o senso de responsabilidade. “Ela é muito perfeccionista, se não tá bom ela vai lá e refaz”, enfatiza a responsável.
O sucesso, no entanto, fez aumentar a atenção da mãe em relação às questões psicológicas e educacionais de Bárbara: “Fico em cima mesmo, estou sempre acompanhando. Espero que ela faça mais sucesso e continue se divertindo”.
Legislação
“No Brasil, tivemos duas tentativas de regulação da profissão de youtuber, sem que fossem devidamente aprovadas no Congresso Nacional. Trata-se do projeto de lei 4.289/2016, que se encontra arquivado na Câmara dos Deputados e do projeto de 10.938/2018, retirado de pauta a requerimento do autor do projeto”, garante Roberta Densa, doutora em Direitos Difusos e Coletivos
Ela também reforça que o Brasil não tem regulamentação específica a respeito do trabalho artístico de crianças ou adolescentes. “A Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXXIII, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos; e qualquer trabalho a menores de 16 –- salvo como aprendiz, a partir de 14 anos”.
A especialista orienta os pais de influenciadores a pedir a concessão de um alvará judicial que classifica a questão como um trabalho artístico. ” O juiz vai analisar as condições do desenvolvimento desse trabalho, se a criança estuda, se há seguranças, inclusivo emocional”, explica Roberta Densa.
Vale lembrar que em outubro deste ano, a França foi o primeiro país a regulamentar a atividade dos influenciadores digitais mirins. As mudanças têm como objetivo regular o trabalho de menores de 16 anos nas redes sociais.
Cuidados
A psicóloga Bruna Cavalcanti ainda chama a atenção para o perigo em forçar uma criança a trabalhar e produzir conteúdos para a internet. De acordo com elas as complicações para a saúde mental desses pequenos podem ser inúmeras.
“Pensa que a criança já tem as suas obrigações, como ir para a escola, cumprir as nota, fazer um curso extra, uma atividade física e imagina agora agregar mais uma obrigação que é a de entregar conteúdo para a sua página na rede social. Isso pode gerar um quadro de ansiedade, ela sempre vai estar mostrando um rendimento e tendo que ser produtiva”, diz Bruna Cavalcanti.