Hong Kong: entenda por que artistas chineses são contra protestos
Após diversas publicações em redes sociais sobre as manifestações no território, artistas do país têm sido alvo de críticas
atualizado
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No início da semana, o Twitter explodiu com críticas à atriz Liu Yifei por causa de uma postagem que ela fez na rede social Weibo, a principal da República Popular da China. A futura Fa Mulan, no filme live-action da Disney, escreveu que apoia a polícia de Hong Kong em relação aos numerosos protestos de rua nas últimas semanas. Ainda deixou uma provocação: “Vocês podem me atacar agora. Que vergonha de Hong Kong”.
Muitas pessoas criticaram Yifei na internet por apoiar a brutalidade policial durante as manifestações na região administrativa da China. Outros acharam estranha a publicação, pois a atriz foi radicada nos Estados Unidos e não tem tanta relação com a terra natal.
Não por coincidência, artistas musicais chineses como Lay Zhang, Lai Kuan-Lin (nativo de Taiwan), Victoria Song e Jackson Wang (nativo de Hong Kong) também fizeram publicações em suas próprias contas do Weibo em apoio à política de “Uma China”, e condenando os protestos em Hong Kong.
Tais críticas às manifestações, no entanto, podem não ser as reais opiniões desses artistas, mas resultado de pressão política e econômica para agradar o estado chinês. Além disso, os órgãos do governo têm investido cada vez mais em propagandas anti-protestos, especialmente em plataformas como o Twitter, que são banidas no país.
Censura
Não é novidade que a China bane artistas de atuarem no país. Alguns exemplos incluem as bandas Oasis e Maroon 5, além de Lady Gaga e Justin Bieber. No ramo do cinema, a censura também é forte. A China não tem um sistema de classificação indicativa, então censores têm de assistir aos longas que estreariam no país e decidir o que fica no filme e o que é cortado, ou até mesmo se a produção pode ou não ser exibida nas telas.
Alguns motivos que podem causar censura a um filme: “tópicos sérios”, como a Revolução Cultural Chinesa, “temas sexuais explícitos”, a exemplo O Segredo de Brokeback Mountain, tramas que “vilificam e humilham chineses”, como Piratas do Caribe, e até histórias que exibem “espíritos injustiçados e violentos, monstros, demônios e outros (seres) não-humanos”.
A China também é conhecida por banir títulos protagonizados por artistas que “ameaçam” ou “mancham” a imagem do país, como Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, por causa de um cantor cujas fotos nuas vazaram na internet. A censura também funciona internamente, pois o país exige que filmes produzidos por cineastas chineses sejam aprovados pelo governo antes de serem enviados para festivais estrangeiros.
Consumo controlado
Para que o país assegure que a disseminação de informação, sobretudo na mídia, não afete a autoridade do estado, o Comitê Central do Partido Comunista da China criou um departamento para controlar tudo que a população consume. O Departamento de Propaganda (ou Publicidade, dependendo da tradução) do Partido Comunista da China trabalha em conjunto com a Administração Nacional de Rádio, Filme e Televisão, assim como a Administração Geral de Imprensa e Publicações, para controlar a informação transmitida.
Em 2016, o k-pop foi banido na China após a Coréia do Sul decidir implantar um sistema de defesa com mísseis americanos. Nenhum grande artista sul-coreano tem sido convidado para a China há alguns anos por conta da percepção de que o governo rejeitaria tais solicitações de vistos. No entanto, de acordo com fontes do jornal South China Morning Post, alguns grupos têm começado a fazer pedidos de visto, mas é difícil dizer se o Ministério de Cultura e Turismo os acataria.
K-pop e cinema
De acordo com Bernie Cho, presidente da empresa chinesa DFSB Kollective, que oferece serviços de gravadoras para diversos grupos coreanos, a demanda pela música de artistas como BTS, Girls’ Generation e Blackpink aumentaram drasticamente na China. Além disso, produtores também afirmam que o k-pop é atrativo para a economia chinesa, pois figura como um dos negócios mais lucrativos do momento. De acordo com uma estimativa do grupo Yuanta Securities, o BTS faturou cerca de US$ 40 milhões com a turnê mundial.
Enquanto o k-pop se mostra extremamente lucrativo em outras nações asiáticas, a China tem se firmado como mercado fundamental para lançamentos de cinema. De acordo com os levantamentos do Box Office Mojo, entre os 100 filmes que mais faturaram no país em 2019, a bilheteria bruta foi de mais de US$ 5,95 bilhões. Em comparação, a maior bilheteria mundial de todos os tempos é a de Vingadores: Ultimato, com mais de US$ 2,79 bilhões. Não à toa, os blockbusters buscam aderir às normas para assegurar espaço nas salas chinesas.
Propagandas anti-manifestação
Em meio às manifestações de Hong Kong, o governo chinês tem sido acusado de produzir propagandas contra os protestos. De acordo com um usuário do Twitter, embora ele tenha ido às ruas e participado das manifestações, quando volta para casa e acessa a plataforma para registrar o que aconteceu durante o dia, vê notícias fabricadas pelo governo contra os manifestantes.
Every day I go out and see stuff with my own eyes, and then I go to report it on Twitter and see promoted tweets saying the opposite of what I saw. Twitter is taking money from Chinese propaganda outfits and running these promoted tweets against the top Hong Kong protest hashtags pic.twitter.com/6Wb0Km6GOb
— Pinboard (@Pinboard) August 17, 2019
O Twitter respondeu às críticas de usuários, afirmando que “(as contas em questão) são conectadas a operações financiadas pela China continental”.
We’re disclosing coordinated account activity focused on the ongoing protest movement in Hong Kong. Our investigations have found that these accounts are linked to state-backed information operations from mainland China.https://t.co/Pc9R90Dp85
— Twitter Safety (@TwitterSafety) August 19, 2019
As manifestações de Hong Kong
Com onze semanas de duração, as manifestações iniciaram quando os cidadãos se mobilizaram para protestar contra um projeto de lei que facilitaria o envio de supostos criminosos à China para serem julgados. Embora a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, tenha suspendido o projeto de lei, os manifestantes continuaram indo às ruas, pois a suspensão significa que a regra pode voltar a ser considerada no futuro.
Ao longo das semanas, as demandas mudaram de foco para pedir reformas democráticas mais amplas, responsabilização da polícia pela brutalidade contra manifestas, a renúncia de Carrie Lam e libertação e anistia de presos, entre outros pontos.
O diretor da Amnesty International Hong Kong, Man-Kei Tam, condenou as ações policiais no Aeroporto Internacional: “A polícia de Hong Kong tem novamente usado gás lacrimogêneo e balas de borracha de modo que não se alinha aos padrões internacionais. Atirar contra manifestantes em áreas confinadas, onde eles tinham pouco tempo para fugir, vai contra o objetivo de dispersar uma multidão”.
As demandas dos manifestantes (de 12/08/2019):
- Completa retirada do projeto de lei de extradição
- Retirada da descrição de “motim” sobre as manifestações de 12 de junho de 2019
- Anistia para todos os manifestantes
- Uma investigação independente sobre a suposta brutalidade policial
- Sufrágio universal para as eleições do futuro Chefe Executivo e Conselho Legislativo