Três mostras iluminam a arte fotográfica brasileira
Entre o Museu Nacional e a Caixa Cultural, os visitantes podem conhecer desde pioneiros (como Thomaz Farkas e Geraldo de Barros) até jovens realizadores (como Berna Reale e Paulo Nazareth)
atualizado
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A meio caminho entre jornalismo e cinema, realidade e fantasia, a fotografia corre nas artes moderna e contemporânea como uma pulsão híbrida. Três mostras paralelas, atualmente em cartaz na cidade, ajudam a fazer pensar essa linguagem.
Histórica e afetivamente, o itinerário de visitação dessas mostras deve começar pelo Museu Nacional Honestino Guimarães. Em cartaz até 3 de janeiro, “Moderna para Sempre” traça ali um minucioso panorama de certa fotografia essencialmente paulista e paulistana filiada ao modernismo e desenvolvida por autores de diferentes vocações mas semelhante formalismo visual. Entre os mais celebrados pela posteridade, encontram-se os pioneiros Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e Paulo Pires (autor de “Páteo de Manobras”, foto de 1961 que está no alto desta página).
Ali mesmo no Museu Nacional, uma segunda mostra pretende dialogar com essa. O fotógrafo brasiliense Kazuo Okubo garimpou os acervos da instituição e do Museu de Arte de Brasília para o painel “Preto & Branco”. Também fica em cartaz até 3 de janeiro.
E não muito longe de lá, atravessando o Setor Bancário Sul, a Caixa Cultural abriga a coletiva “Novos Talentos” até 17 de janeiro. Como o nome da exibição já anuncia, a curadora Vanda Klabin busca recentes protagonistas da arte fotográfica nacional. Entre eles, Berna Reale, Luiza Baldan e Paulo Nazareth.
Arquitetura e espaço
Espalhando-se pela imensa nave principal do Museu Nacional, mais de uma centena de fotografias preto e branco compõem “Moderna para Sempre”. Trata-se de um mergulho no acervo de arte da fundação Itaú Cultural, sob curadoria de Iatã Canabrava. Antes de chegar a Brasília, a mostra partiu de São Paulo e viajou um bocado, passando por uma série de cidades brasileiras e dando uma banda até por Lima, no Peru, e Assunção, no Paraguai.
Aqui o recorte dá conta da produção fotográfica entre as décadas de 1940 e 1970. Ainda sob uma grande, enorme influência do surrealismo, de Man Ray e tal, alguns realizadores começavam a traduzir para a luz tropical e para o urbanismo paulistano as conquistas estéticas da Bauhaus. Daí, certamente, a ênfase arquitetônica de autores como José Yalenti e Marcel Giró. Suas fotos partem de paredes e fachadas de prédios residenciais buscando a sombra como elemento visual, poético e narrativo. Pequenos trechos de fantasia e indefinição a equilibrar a aspereza e o rigor do concreto armado.
A figura humana quando entra em cena, e se entra em cena, serve principalmente para emprestar perspectiva às amplas dimensões que os fotógrafos enquadram. Na ausência de gente, o campo resta aberto para costuras geometrizantes que se avizinham do construtivismo tão em voga nas artes plásticas brasileiras daquele período – pense em Athos Bulcão e Arcangelo Ianelli.
Etnografia e fantasia
Uma vez percorrida a nave principal do Museu Nacional, vale subir a rampa até seu mezanino. Ali o fotógrafo e curador Kazuo Okubo, atendendo a convite de Wagner Barja, diretor da instituição, apresenta “Preto & Branco” como uma proposta de diálogo com o que pode ser visto em “Moderna para Sempre”.
Algumas das obras selecionadas por Okubo já são bastante manjadas pelos frequentadores do Museu Nacional. Principalmente aqueles trabalhos de fotojornalismo com lastro etnográfico, como a série feita por Claudia Andujar entre os índios yanomami na década de 1970. (Aliás, vale dizer que esse interesse de Claudia ganhou na semana passada uma galeria só para si dentro do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, em Minas Gerais.)
Porém, neste caso específico, o diálogo fica mais instigante quando entram os registros intimistas de Marcelo Feijó, notadamente a série “Paisagem Doméstica” (1997/1998) em que ele busca ecos expressionistas em prosaicas sombras caseiras. Elyeser Szturm, colega de Feijó no corpo docente da Universidade de Brasília, vai um passo além. No políptico “Imagem É Risco” (2006), ele devolve à fotografia seu instinto mais primitivo e radical, rompendo qualquer figurativismo ou qualquer narrativa, buscando justamente a sujeira, o erro, a imagem quase no limite de se perder.
Espaço público, espaço privado
Por fim, as duas galerias Piccola da Caixa Cultural abrigam a exibição “Novos Talentos”. A curadora Vanda Klabin apresenta uma seleção mui heterogênea de jovens fotógrafos, como heterogênea é a produção atual das artes plásticas nacionais. Nos melhores momentos, Vanda estabelece ali uma rica tensão entre artistas que atuam no espaço público e no espaço privado.
Despontando entre os dez nomes selecionados para a mostra, a carioca Luiza Baldan busca registros de intimidade na série “Leituras de um Lugar Valioso” (2012) e se encaixa num espaço estético que remonta ao pintor americano Edward Hopper. São dois pequenos e silenciosos instantes: um detalhe do quarto e uma foto da sala escurecida em que entra pela janela um neón da rua.
A intimidade que Raphael Couto traz é de outra ordem. Em instantâneos aparentados da performance e da body art, ele usa o corpo humano como objeto de interesse. Acaba apresentando um trabalho de apelo sensorial e epidérmico, assim como o mineiro Matheus Rocha Pitta, que fecha sua objetiva em montes de terra vermelha.
Dando peso à mostra, o carioca Gustavo Speridião vasculha o espaço público tomando emprestados o ritmo e a coreografia dos corpos em cena, tomando emprestadas as texturas e as rimas cromáticas de passeatas de junho de 2013 no Brasil e de outubro de 2014 no México. A política, assim, entra em seu discurso pelas frestas e pelas rachaduras.
“Moderna para Sempre” e “Preto & Branco”. Até 3 de janeiro no Museu Nacional Honestino Guimarães (Conjunto Cultural da República, 3325-5220). Terça a domingo, das 9h às 18h30. Entrada franca. Livre.
“Novos Talentos”. Até 17 de janeiro, nas galerias Piccola 1 e 2 da Caixa Cultural (Setor Bancário Sul, Quadra 4, Lotes 3 e 4; 3205-9448). Terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada franca. Livre.