Sanagê Cardoso esculpe alegria e delicadeza a partir do metal
Atuante na cidade desde 1972, artista carioca vive ano movimentado com mostras fora de Brasília e obra a ser exposta na residência oficial do governador do DF
atualizado
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Uma caminhada pelo ateliê de Sanagê Cardoso, montado no quintal de casa, sobre a grama, revela uma paisagem curiosa. Esculturas de ferro, pintadas sobretudo de laranja, convivem em harmonia com árvores e formigueiros. É ali, num terreno a céu aberto, que o artista exibe mais de cinquenta obras desde que abriu o espaço, há cinco anos.
Feitas sem uma base específica, as obras podem ser fixadas ou colocadas no chão em diferentes posições. A maioria delas carrega um traço autoral de Cardoso: são variações abstratas da forma de um clipe, aquele pequeno objeto usado para prender papéis. “É uma linguagem que desenvolvo. Os clipes têm uma lógica matemática, são simples. Brinco com isso há quase quarenta anos”, explica.
A longa série, intitulada “Neoclipes”, alcançará até mesmo a residência oficial do governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg. Uma obra foi solicitada por Wagner Barja, diretor do Museu Nacional Honestino Guimarães, por meio da Secretaria de Cultura. A ideia é tornar a casa um espaço de visitação. Apesar do pedido, não houve nenhuma exigência estética feita ao artista.
Da fotografia ao neoconcretismo
Nascido no Rio de Janeiro, Cardoso veio jovem para Brasília, em 1972. Formou-se em artes visuais pela Faculdade Dulcina de Moraes e, depois, desenvolveu carreira como fotógrafo. Entre um compromisso comercial e outro, ele construiu uma estética autoral a partir dos clipes.
Com a chegada da tecnologia digital, Cardoso abandonou a fotografia “do dia para a noite”. “Resolvi transformar as imagens em coisas reais. Algumas pessoas dizem que é birra minha, que um dia eu vou voltar”, brinca. A teimosia deu certo. Além do ateliê na QI 29 (Lago Sul), o escultor mantém um galpão em Águas Claras, onde estoca as ligas de ferro. Quatro pessoas trabalham com ele no local.
Aos 61 anos, o autor vive um segundo semestre agitado. No Rio de Janeiro, participa da Trio Bienal, um imenso painel de arte contemporânea, e assina a mostra individual “Neoclipes – Abstrações Recorrentes”, na galeria H. Rocha. Até 10/11, trabalhos de Cardoso podem ser vistos em seis ambientes da Casa Cor Brasília. Um de seus clipes gigantes também foi colocado no campus Darcy Ribeiro da UnB.
“Tenho preocupação em transmitir leveza estética ao meu trabalho. Mesmo que a obra pese algumas toneladas”
Sanagê Cardoso, escultor
A popularidade de Cardoso rendeu até um comercial da Gravia, empresa do ramo de metalurgia. Cerca de 90% da matéria-prima usada pelo artista vem da marca. “O artista é um trabalhador como qualquer outro. E o dever dele é instigar as pessoas para o entendimento das coisas. Só que é preciso muito trabalho e ralação”, conta.
O processo começa no papel, em dobraduras e esboços. Por meio de maquetes, Cardoso testa os limites físicos de cada peça, como peso e equilíbrio, até finalmente esculpir o trabalho em tamanho real. O caráter industrial do ferro é suavizado pela escolha cromática do artista.
“Tenho preocupação em transmitir leveza estética ao meu trabalho. Mesmo que a obra pese algumas toneladas”, brinca. “Laranja é uma cor que só tem vibrações positivas e que recorta muito bem em qualquer situação, em locais externos e internos.”