Saiba como o mictório de Duchamp influenciou a arte de Brasília
Inspirado na obra que completa 100 anos, o paulista Nelson Leirner levou um porco empalhado ao 4º Salão de Arte de Brasília em 1966
atualizado
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Há 100 anos, Marcel Duchamp apresentava ao mundo “A Fonte”, uma obra de arte que escandalizou intelectuais de todo mundo. O objeto, um banal mictório que o artista retirou de um banheiro público da França, desencadeou em rápidas alterações no fazer-artístico, elevando o dadaísmo a um estilo e dando início ao movimento “ready-made”.
Em poucas palavras, pode-se dizer que o dadaísmo é a negação da estética (e do sentido) na arte. O “ready-made”, então, é a técnica em que se retira a função cotidiana de um objeto para transformá-lo em obra de arte. As novidades fervilharam na Europa e atravessaram os oceanos, acertando em cheio o Brasil – e a capital Brasília.
Em 1966, o paulista Nelson Leirner enviou ao 4º Salão de Arte Moderna de Brasília a obra “Matéria e Forma”, um porco empalhado num engradado de madeira com um presunto acorrentado ao pescoço. O questionamento era claro: afinal, por quê isso não seria uma obra de arte?
Era um trabalho ligado à ideia do produto que a sociedade consumia. Ainda mais se lembrarmos que o pernil (que estava ligado ao porco empalhado por uma corrente) foi comido pelo pessoal que transportava o trabalho de caminhão (risos). Aí o trabalho já ganhou outro teor.
Os preceitos de Marcel Duchamp foram aplicados no “porco” com maestria. “Duchamp acrescentou à arte conceitos como ironia e apropriação. Esses termos serviram muito bem à arte brasileira”, explica a professora do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB) Cinara Barbosa.
Aprovação
Tamanha ousadia fez de Nelson Leirner o artista contemporâneo brasileiro mais polêmico da época. O crítico Frederico Morais disse que sua obra era “provocadora”, mas que o corpo de jurados, do qual ele fazia parte, havia aprovado a obra.
“Digo de alto e bom som: tudo é válido para mim, tudo é passível de se transformar em arte. A vida, o viver, o próprio homem, e até o porco do Leirner”, afirmou em entrevista ao “Jornal da Tarde” em 1967. Em seguida, a obra foi adquirida pela Pinacoteca de São Paulo, um dos museus mais importantes do país.
Os Salões de Arte ocorriam anualmente no Museu de Arte de Brasília (MAB), fechado desde 2007 e sem previsão para ser reaberto. Esses eventos eram as principais porta de entradas da arte na capital, que tinha acabado de ser inaugurada.