O brasiliense Josafá Neves usa a arte para recriar a identidade negra
Nascido no Gama e morador do Núcleo Bandeirante, o artista tem duas décadas de carreira e obras sendo vendidas por mais de R$ 20 mil
atualizado
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Uma casinha amarela com portas e janelas vermelhas, apertada entre os prédios do centro de Núcleo Bandeirante, serve de lar para Josafá Neves, um dos principais artistas negros do Distrito Federal. A simplicidade de sua casa-estúdio – projetada, construída e mobiliada pelo artista – contrasta com o valor de suas obras no mercado da arte, que chegam a custar mais de R$ 20 mil.
Com 46 anos, Josafá vive unicamente da arte há exatamente duas décadas. Porém, antes disso, trabalhava com o que pudesse lhe render algum dinheiro: foi engraxate, garçom, jornaleiro e lavador de carros. Superar essa fase foi uma questão de tempo e experiência.
Aprendi que se a gente faz o que gosta, tudo sai bem. Para produzir minha obra, inspiro-me em tudo: na natureza ao meu redor, na minha vida e na minha ancestralidade.
Josafá Neves
Atualmente, é possível conhecer as obras de Josafá em sua exposição individual “Diáspora”, que permanece em cartaz, na Caixa Cultural, até 14 de maio. Os visitantes são convidados a ter contato com os principais temas de trabalho do artista: retratos de negros, escravidão e matrizes africanas. “É um assunto que eu não posso me calar. Temos que trazer à tona esse racismo jogado para debaixo do tapete”.
Um detalhe interessante sobre suas obras fica por conta de como elas são trabalhadas: antes de fazer seus desenhos, ele pinta a tela de preto. “Eu trabalho sobre o negro. Escureço para depois clarear”, explica. O resultado dessa técnica é a impressão de que as figuras ali retratadas parecem “emergir das sombras”, de modo a fugir do esquecimento, como afirmou Bené Fonteles, curador da “Diáspora”.
Suas obras já foram apresentadas em mostras por oito cidades brasileiras e em bienais de Havana (Cuba) e Caracas (Venezuela). Além disso, as galerias Expoarte (Brasília Design Center) e Pé Palito (Shopping Iguatemi) expõem e vendem seus trabalhos com frequência.
Conhecimento
Apesar de não ter formação em artes, Josafá possui um conhecimento aprofundado sobre o tema. Em sua casa-estúdio não faltam livros de teóricos e de artistas nacionais e internacionais. Quando fala sobre a pintura, mostra segurança em questionar aspectos conhecidos da arte mundial. “Não foi Picasso quem deu início ao Cubismo, mas sim Braque, que se inspirou na arte africana para fazer seus quadros”.
No panteão dos gigantes, Josafá bebeu da fonte de brasileiros como Rubem Valentim, Athos Bulcão e Ana Maria Pacheco. Entre os nomes internacionais, buscou inspiração em Picasso, Matisse e Renoir. “Gosto de me apropriar daquilo que encontro e acredito que seja vital aos meus trabalhos”.
Estudioso, ele diz que tem vontade de fazer curso superior em sociologia. Mas, enquanto isso, equilibra sua produção artística com o cuidado diário de seus três filhos, que têm 13, 15 e 21 anos de idade e moram com ele na casa-estúdio. “Me chamo de pãe. É trabalhoso conciliar arte com a rotina diária, mas tudo dá certo”.
No mês que vem ele desembarca na França com o objetivo de encontrar suas irmãs que vivem na Europa – e passear pelos museus do país, é claro. Porém, isso não significa uma pausa nos trabalhos. Sua próxima mostra, “Orixás”, está em fase de conclusão e deve ocorrer ainda neste ano.
“Diáspora”
Até 14 de maio, na Galeria Principal da Caixa Cultural (Setor Bancário Sul, quadra 4, lotes 3,4). Visitação de terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada franca. Classificação livre