Na contramão da crise, galerias de arte do DF têm 2020 de sucesso
Espaços migraram em peso para a internet e descobriram novas formas de atuação para superar obstáculos da pandemia
atualizado
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A pandemia do novo coronavírus atingiu em cheio o setor cultural, incluindo o mercado de arte moderna e contemporânea. Nesse cenário, as galerias, cuja lógica difere dos museus, por dependerem principalmente da venda de obras, tiveram de se reinventar para manter o interesse do público e garantir sua sustentabilidade financeira.
Os estabelecimentos brasilienses têm obtido sucesso nessa empreitada. Na contramão do cenário global, que encolheu 36% em relação ao ano passado, segundo uma pesquisa recém-divulgada pela Art Basel, proprietários e curadores de espaços sediados na capital sustentam que 2020 foi um ano desafiador, mas, em geral, de crescimento.
Galeristas satisfeitos
Assim como vários outros setores, o comércio de arte migrou em peso para a internet, onde deve continuar marcando presença, mesmo com espaços físicos reabertos. Essa estratégia, segundo Karla Osório, fez a galeria que leva seu nome ter um desempenho surpreendente nos últimos meses.
“A galeria cresceu muito. A gente era de um dinâmica completamente física, presencial. Eu estava sempre viajando pra fazer feiras. Acreditava que um bom galerista era como um caixeiro viajante, precisava se deslocar. A pandemia me obrigou a me familiarizar com as ferramentas tecnológicas. A partir daí, descobrimos alternativas de aproximação com clientes, instituições e artistas. É muito estranho reconhecer isso, mas é algo que precisávamos aprender nesse período”, conta a empresária.
Apesar da inexperiência digital, Karla comemora a realização de 100 lives entre março e outubro deste ano e um lucro maior em eventos virtuais do que os obtidos no ano passado. “Vendi mais na edição on-line da SP-Arte que na versão presencial do ano passado” exemplifica.
Com a galeria reaberta na última semana, com uma exposição em cartaz, visitas sujeitas a agendamento prévio e novos protocolos, em respeito às medidas de distanciamento social, Karla Osório tem se desdobrando para atender os interessados em voltar a frequentar seu espaço físico. O que é mais um sinal de que as pessoas estreitaram sua relação com a arte — e não o contrário.
“Muita gente se interessava pelo assunto, mas ficava intimidado de entrar em uma galeria, de participar de um curso, uma visitação. Coisas que a pandemia, a despeito de todos os problemas que causou, gerou de graça. Museus, galerias, instituições promoveram conteúdos de altíssima qualidade, que aproximou as pessoas desse conhecimento”, conclui Karla.
Contato maior com a arte
A galeria do curador e marchand Oto Reifschneider atua com foco em pesquisa, concepção de exposições e vendas de obras de arte. A crise afetou as mostras, mas foi durante a pausa que ele pôde alcançar novos interessados.
“Foi um ano surpreendentemente bom. Todos os comerciantes foram afetados, mas depende muito de quem é seu público. E Brasília tem essa característica do funcionalismo público”, opina Oto. “Quem trabalha minimamente uma presença virtual notou uma melhora no movimento. Eu tenho uma loja on-line, que está basicamente desativada, mas o Instagram e o Facebook fizeram muita diferença”, completa.
Com essa “ajudinha digital”, ele enviou peças para várias estados brasileiros e está tirando do papel planos de ampliar o espaço expositivo.
Para ele, esse movimento de modernização tem contribuído não só para ampliar o interesse popular por arte como para desconstruir a ideia de que ela é inacessível. “Tem obra cara, mas tem obra de R$ 400. É não é impressão digital, é original, com tiragem baixa. Existe coisa muito boa acessível e para todos os bolsos”, defende.
Sócia-proprietária da Referência Galeria de Arte, Onice Moraes já estava no ambiente virtual quando a pandemia começou, o que ajudou o estabelecimento a ter um “ano quase normal”. Ainda assim, ela se surpreendeu com a dinâmica das feiras digitais, das quais começou a participar. “A gente acaba tendo uma visibilidade muito maior que em um evento presencial. Na SP-Arte, 20% das vendas foram para outros países”.
Período de adaptação
A Pilastra, no Guará II, funciona como galeria, estúdio de produção audiovisual e ateliê aberto aos artistas. Por isso, não se mantém pela venda das obras, mas por um conjunto de atividades, incluindo a sublocação do espaço e oferta de cursos. Sem ter como abrir as portas, os administradores passaram meses difíceis.
“Não conseguimos sustentar o imóvel que a gente alugava e encontramos outro espaço, ainda na QE 40 por um terço do valor do valor. Guardamos os móveis e as obras que estão sob nossa guarda e resolvemos investir nos cursos on-line. Foi um período de adaptação, com marketing digital, novas plataformas, e outras demandas que a virtualidade exige. E a recepção está sendo muito boa”, resume Gisele Lima, 25 anos, uma das coordenadoras da galeria.
Ainda preocupados com a pandemia do novo coronavírus, A Pilastra é, entre as casas ouvidas, a única que não pretende retomar os atendimentos presenciais este ano.
“Estamos realizando cursos com valores acessíveis, para atingir artistas e outros agentes culturais dissidentes. Isso está sendo muito acertado. No final, A Pilastra paga as contas sozinha pela primeira vez desde que foi aberta. A gente sabe que ainda temos muitos desafios, como de retomar o espaço físico, mas é nosso próximo passo”, conclui.