Lugar de grafite é no museu? Especialistas e artistas debatem o tema
A exposição “Mundez”, em cartaz no Museu Nacional, levanta a discussão sobre a institucionalização da arte urbana
atualizado
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Nas ruas do Distrito Federal e de outras grandes metrópoles, o grafite já faz parte da paisagem. Agora, os desenhos, cada vez mais, colonizam outros espaços: como as paredes de museus e galerias. A transição, entretanto, muda a essência do trabalho, que passa de um grito de protesto urbano para a formalidade da obra de arte.
A exposição “Mundez”, em cartaz no Museu Nacional Honestino Guimarães, traz obras de grafiteiros brasilienses ao lado de telas de pintores como Alfredo Volpi e Josafá Neves. O diretor do complexo cultural e curador da mostra, Wagner Barja, também acredita que a arte urbana muda seu papel quando sai da rua. “De alguma forma estamos domesticando o grafite, mas também o colocamos em discussão com outras obras, mantendo-o vivo”, opina.
A intervenção urbana, na origem, é uma arte democrática, um grito do artista no meio da rua para qualquer um ouvir. O grafite, então, abre um debate sobre o lugar tomado, se o espaço público é do cidadão ou do governo, se é embelezamento ou vandalismo. Questões que fazem, mais do que nunca, parte da nossa sociedade.
A rua é uma escola que os pais não têm como pagar, o aprendizado é incrível
Yong, grafiteiro de Brasília
Pedro Russi, professor de comunicação da Universidade de Brasília, sintetiza as diferenças entre o grafite nos muros e o das galerias. “No momento em que a arte urbana sai da rua e entra no museu, ela perde seu significado, seu poder de tensão. Vira pintura”, critica.
Com a voz, os artistas
Daniel Toys concorda com a visão de Russi. “O grafite é na rua, funciona como um ato de transgressão, toma o espaço sem pedir licença. Quando ocorre a transição para um espaço institucional, torna-se uma obra de arte”, comenta
Distante do povo
A arte dos grafiteiros, porém, é frágil. Além da autoridades, que muitas vezes destroem painéis arbitrariamente, o público interfere nos painéis. Apagam, modificam e os transformam. Por essa razão, apontam alguns especialistas, surge a importância dos registros em telas, murais e fotografias.
A historiadora Renata Almendra, co-autora do livro “Entre Cores e Utopias. O Grafite em Brasília e Seus Arredores”, no entanto, aponta que a entrada da arte urbana em museus cria uma dificuldade no acesso a esse conteúdo. “Em lugares institucionais, legitimados pela tradição, existe ainda uma barreira na cabeça do povo, por ser considerado um espaço elitizado. Isso, infelizmente, distancia a obra do observador”, analisa.
A observação de Renata, por exemplo, foi vivida na prática por Barja. O diretor e curador viu dois garis hesitando em entrar no Museu Nacional. De imediato, foi em direção aos dois e os convidou para conhecer o centro cultural. “O museu é de todos”, disse.
Colaborou Paulo Lannes