Kazuo Okubo é acusado de machismo em novo projeto sobre vaginas
Coletivos de mulheres de todo o país promovem reflexão sobre o projeto O Inventário, no qual o fotógrafo fará registros da vulva feminina
atualizado
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O fotógrafo brasiliense Kazuo Okubo vem recebendo uma série de críticas de mulheres e coletivos feministas. O motivo é o novo catálogo do artista, intitulado O Inventário. O projeto, ainda em fase de convocatória de voluntárias, irá reunir imagens de vaginas de mulheres cisgênero e transexuais.
“Por mais que ele não tenha tido a intenção, a palavra ‘inventário’ é sempre utilizada para se referir a bens, ou seja, coloca o corpo da mulher nessa condição de objeto”, afirma Luísa Dalé Silva, 28 anos, integrante do coletivo Mulheres do Audiovisual do Distrito Federal.
Luísa foi apenas uma das mulheres que se manifestaram contrárias à iniciativa em uma publicação na página oficial de Kazuo Okubo, no Facebook, feita no dia 21 de janeiro. Na postagem, o produtor convida voluntárias a participarem da sessão de fotos, que resultará em uma exposição e um livro com todos os ensaios de nu artístico. “É mais um homem querendo ganhar dinheiro com o nosso corpo”, comenta Luísa. “Não traz nada de bom para mulheres, nenhuma reflexão positiva”, completa.
O projeto perpetua um machismo estrutural, na medida que reduz nossa expressão artística, política e social à exposição do corpo e contribui para o processo histórico de invisibilização do nosso lugar de fala sobre nossos próprios corpos
Manifesto do Coletivo Mulheres do Audiovisual do DF
“Não é a fotografia em si, mas a forma como está sendo abordada. Falta envolvimento com o que está acontecendo no mundo. Tem que ter muito tato ao usar o corpo da mulher para projetos artísticos. É como se apropriar de uma causa que não te pertence. Escuta o que as mulheres têm a dizer se deseja explorar o íntimo delas”, reivindica Raquel Camargo, 34, também integrante do Coletivo Mulheres do Audiovisual do DF.
Unidas aos coletivos YVY Mulheres da Imagem, Coletivo Amapoa (SP), DAFB (Coletivo das Mulheres Diretoras de Fotografia do Brasil), Plataforma Lótus de Mulheres Brasileiras Asiáticas, Mamana Foto Coletivo (SP e DF), Coletiva Era (RJ) e Nítida (RS), as brasilienses pretender divulgar a íntegra da carta aberta de repúdio à exposição O Inventário nesta quinta-feira (31/1).
O outro lado
Na tarde de segunda (28), Kazuo Okubo divulgou um vídeo no qual pede desculpas por ter apagado alguns dos comentários e rebate as críticas. “Trabalho com nu há 25 anos, já fotografei mais de 400 voluntários. Construí uma história aqui em Brasília e, por diversas vezes, sou abordado nas ruas por gente querendo participar dos meus projetos. O Inventário é mais um trabalho artístico, pensado na individualidade de cada pessoa, com respeito à sua forma e ao meu conceito plástico”, garante o fotógrafo.
Em entrevista ao Metrópoles, Okubo diz ter se surpreendido com a força das acusações. “Em todos os meus trabalhos sempre houve algum tipo de resistência. Já fui, inclusive, censurado em espaços culturais. O tabu em volta da nudez ainda é muito grande, imaginei que as críticas partiriam de grupos conservadores religiosos, de extrema direita, mas não de onde partiu”, disse o fotógrafo.
Graças ao debate, o brasiliense decidiu rever pontos do projeto. “Algumas coisas não posso mudar, como o lugar de fala, mas outras sim”, acredita. Entre as alterações imediatas, estão detalhes do contrato que será assinado pelas modelos voluntárias ao participar do projeto. “A partir de agora, haverá uma espécie de remuneração, mas que não será financeira, pois pagar faz o projeto perder o sentido”, avalia.
Segundo Kazuo, as pessoas selecionadas irão ganhar um registro, assinado e não necessariamente de nu artístico. “A modelo pode escolher se quer estar nua ou vestida, se quer a foto de corpo inteiro ou só de rosto. Além do catálogo”, explica.
Com curadoria de Rosely Nakagawa, a série iniciada em 2004 já foi parcialmente apresentada em exposições na galeria A Casa da Luz Vermelha e na SP-Arte/Foto 2013, uma das maiores e mais importantes feiras de arte da América Latina. “Quando comecei esse trabalho, a rede social não era essa coisa monstruosa de agora, e nunca falaram nada, não houve esse tipo de questionamento”, opina Kazuo.
Um dos “equívocos” de quem reclama, ainda segundo o artista, é achar que todo a verba do edital vai para ele. “Também estão falando de um livro, mas o dinheiro que tem dentro do projeto é para imprimir 1 mil catálogos e distribuir gratuitamente. Para o livro, vou fazer um financiamento coletivo”, salienta.
As mulheres interessadas devem se inscrever pelo site do projeto, preencher o formulário eletrônico e concordar com os termos de licença de uso de imagem previamente estabelecidos, a ser formalizado no momento da sessão de fotos. “Eu não quero me apoderar de uma coisa que não é minha e fico agradecido pela confiança das voluntárias de compartilharem algo que é tão íntimo. Até agora, só tivemos uma desistência”, garante.