Helena Lopes: a exaustão do metal e a reinvenção da pintura
Quando uma inflamação da cervical comprometeu os movimentos do braço direito, a artista descobriu novas formas de prosseguir com seus desenhos e desfiados
atualizado
Compartilhar notícia
Helena Lopes consegue encontrar texturas íntimas e pessoais nos mais opostos materiais. Seja riscando com a ponta seca uma fria chapa de cobre para dali criar a matriz de uma gravura. Seja desfiando delicados tecidos para dali desentranhar desenhos e volumes.
Assim ela ergueu uma carreira, ao longo das últimas três décadas, em que os sentidos da autora (e do observador) são aguçados por gravuras em metal e colagens sobre papel. Suas imagens trazem um apelo não apenas visual, mas também tátil por suas asperezas e gentilezas.
Uma expressão que não surgiu por acaso, muito ao contrário, foi “ganhando dimensão com o fazer”, segundo as palavras da própria artista. Ela não sabe trabalhar sem pensar em texturas, e não sossega enquanto não supera as limitações de sua habilidade.
Já passou anos com um trabalho empacado até descobrir, através de leituras, através de tentativa e erro, o correto procedimento para levá-lo a cabo. No caso específico de uma obra, hoje orgulhosamente afixada numa das paredes de seu ateliê caseiro na QI 3 do Lago Sul, Helena levou um par de anos até entender como aplicar Neutrol, um derivado de petróleo usado comumente como impermeabilizante, sobre papel algodão, e assim atingir o grau de preto que nenhuma tinta lhe daria.
(Então vale dizer: o Neutrol não destrói o papel algodão se for aplicado com demãos de encáustica fria, uma cera que os pintores renascentistas – sim, os pintores renascentistas – usavam misturada em suas tintas para criar uma sensação de viscosidade, maleabilidade.)
Na ponta dos dedos
De repente, no entanto, Helena Lopes se viu impedida de continuar debruçada por horas e horas sobre as mesas de seu ateliê. Foi um choque brutal. Em meados de 2013, uma inflamação na cervical comprometeu os movimentos de seu braço direito e condenou sua postura física mais comum em ateliê.
Àquela altura, ela já tinha abandonado o trabalho com gravura em metal, por conta do desgaste físico de cumprir cada uma das etapas: desde limar a chapa de cobre até aplicar ácido sobre o entalhe feito em cera. E então se via impedida de prosseguir com seus desenhos e desfiados.
“E não sabia fazer mais nada além disso”, se recorda. Seguindo a intuição, ela levantou a tela até a altura dos olhos e recomeçou a trabalhar. Como não tinha força na mão para sequer segurar um pincel, inventou de pintar com a ponta dos dedos. Usando uma luva de plástico, ela aplicava a tinta diretamente sobre a tela. Mas para não perder a sensibilidade, não perder as texturas, cortou a ponta dos dedos da luva.
Passei a pensar cada trabalho como um jogo de peças coloridas em que vou encaixando cada uma delas. Bem, de certa forma, a própria vida da gente é um jogo de peças coloridas, não?
Helena Lopes
Essa nova aproximação com a pintura durou até que Helena aprendesse a segurar o pincel com a mão esquerda, um gesto simples que lhe custou um bocado de treino e fisioterapia. Quando adquiriu destreza com a canhota, outra descoberta já havia sido feita.
A descoberta da cor. “Passei a pensar cada trabalho como um jogo de peças coloridas em que vou encaixando cada uma delas”, explica Helena. “Bem, de certa forma, a própria vida da gente é um jogo de peças coloridas, não?”
E assim Helena Lopes chegou às telas que agora podem ser vistas na mostra “Desejo de Potência”, que foi prorrogada até o fim deste mês. Sob curadoria da amiga e fiel conselheira Graça Ramos, ela inaugura a Galeria de Arte da Casa Thomas Jefferson da Asa Sul com uma série dessas recentes pinturas, além de serigrafias e impressões em fine-art.
“Desejo de Potência”. Até 30/11, na Galeria de Arte da Casa Thomas Jefferson (706/906 Sul). Segunda a sexta, das 9h às 21h; sábado, das 9h às 12h. Entrada franca. Livre.