Em entrevista ao “Metrópoles”, Elifas Andreato relembra histórias de seus 50 anos de carreira
Ilustrador vem a Brasília inaugurar mostra retrospectiva de uma obra que vai desde capas de discos até desenhos para o histórico jornal Opinião
atualizado
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O Museu Nacional dos Correios recebe, entre os dias 4 de fevereiro e 3 de abril, a exposição “Elifas Andreato, 50 anos”. Com curadoria de João Rocha Rodrigues, a mostra celebra as cinco décadas de carreira do designer paranaense com obras produzidas nesse período. Além das emblemáticas capas de LPs de Paulinho da Viola, Clementina de Jesus e Chico Buarque, o projeto conta com cartazes de peças teatrais e capas de publicações, como o jornal “Opinião” e a revista “Argumento”.
Elifas, que estará da abertura da exposição, conta que não interferiu em nada no projeto. “O João me conhece há muito tempo e foi o olhar dele que rejuvenesceu, trouxe frescor para as velharias que fiz”, diz o artista, entre o bom humor e a ironia. Confira a entrevista completa:
Em 1965, o senhor era torneiro mecânico na Fiat Lux, em São Paulo. Foi onde começou a pintar painéis que decoravam os bailes da fábrica. Naquela época, imaginava que poderia tornar-se tão famoso?
Nunca imaginei chegar tão longe, mas também nunca perdi a esperança. Naquele tempo, o sonho era sobreviver e dar sustento para a família com um trabalho que não fosse tão duro. Sempre digo que tive muita sorte. Talento é importante, mas sozinho não resolve tudo. Tive a sorte de encontrar muita gente boa no meu caminho, desde os tempos de fábrica.
O senhor começou a trabalhar na Editora Abril na década de 1960. Como chegou até lá?
Saí da fábrica e fui trabalhar numa pequena agência, no centro de São Paulo. Lá, criei um outdoor para a Rádio Piratininga. O trabalho chamou a atenção de Atílio Basquera, então diretor de arte da Abril, que mandou me procurar. Fui encontrado e, em 1967, tornei-me estagiário da empresa.
Foi um momento muito importante da sua carreira…
Foi uma escola muito importante. Com a pobreza, aprendi que é preciso abraçar todas as oportunidades que a vida te dá. Na Abril, atuei nas revistas 4 Rodas, Claudia e Realidade, entre outras. Me esforcei muito e desenhava sem parar, já que lá tinha todos os materiais que não tinha em casa. Cheguei a trabalhar diretamente com Sylvana Civita, esposa do fundador da editora, Victor Civita.
Mas em 1973 as coisas mudaram um pouco…
A família Civita apostou muito em mim. Pagou-me estágio no exterior e, aos 25 anos, eu era diretor de arte. Mas eu não sabia lidar com certas coisas, como cortar pessoal. Na verdade, não sei fazer isso até hoje. Em 1972, eu e outros amigos fundamos o jornal Opinião, que se opunha à ditadura militar. No ano seguinte, Civita me colocou na parede, dizendo que eu precisava fazer uma escolha. Optei por sair da Abril e seguir com o Opinião. Não foi fácil. Lá eu tinha um salário muito bom, porém fiz o que tinha que ser feito. Felizmente, escolhi o caminho espinhoso, contudo, o mais certo. A partir dali, tornei-me conhecido entre os cantores e teatrólogos, entre outros artistas.
O seu trabalho ficou marcado pelas inúmeras e marcantes capas de discos que produziu. Qual foi a primeira capa?
Primeiro, vieram os LPs da coleção História da Música Popular Brasileira. Ali, tornei-me amigo de todos os artistas do projeto. Em 1972, fiz a primeira capa para o Paulinho da Viola. Na frente do disco havia uma foto dele e o desenho ficava na contracapa. No ano seguinte, veio o desenho para o disco “Nervos de Aço”, que denunciava a separação de um casal. Foi muito polêmica, mas também foi um divisor de águas. A partir dali, as capas de discos tiveram outra importância. Bati de frente com alguns editores. Muitos achavam que desenhistas não pensavam e faziam tudo que era imposto. Sempre fiz questão de ler o livro, ver a peça ou ouvir o disco para o qual estava desenhando.
Entre as inúmeras capas, qual tem uma história curiosa?
Fiz uma capa para os 70 anos de Adoniran Barbosa. Criei uma capa prata, em baixo relevo. Dentro, havia um desenho de Adoniran, maquiado como um palhaço triste. Quando mostrei para o pessoal da gravadora, questionaram se ele iria gostar. Ali, fraquejei. Fiz outro desenho e dei o original para Fernando Faro, produtor do disco. Pouco tempo depois, Adoniran disse: “Elifas, eu sou aquele palhaço triste; não sou aquele alemão que você colocou no disco”.
Você produziu mais 400 capas de LPs e CDs. Faltou registrar o trabalho de alguém?
Eu estava trabalhando na coleção História da Música Popular Brasileira quando o Sidney Miller faleceu. Lamentei muito. Os outros foram Lupicínio Rodrigues, que foi meu amigo e uma figura maravilhosa, e Cartola, que é uma paixão e um enigma. Como uma pessoa que mal sabia ler criou essas obras?
Quais são os próximos projetos?
Estou numa idade (no dia 22/1, completa 70 anos) em que não posso perder muito tempo e que não dá para fazer tudo. Quero retomar o “Canção de Todas as Crianças” com Toquinho e um projeto com Tom Zé. Além disso, vou dar sequência à homenagem à obra de Guimarães Rosa ao lado de Renato Teixeira, e lançar dois livros infantis.
De 4 de fevereiro a 3 de abril, no Museu Nacional dos Correios (Setor Comercial Sul, Quadra 4, Bloco A, nº 256; 3213-5076). De terça a sexta, das 10h às 19h. Sábado, domingo e feriados, das 12h às 18h. Entrada franca. Classificação indicativa livre.