Desigualdade na arte: obras de mulheres são minoria nos museus do DF
Barreiras impostas pela cultura machista impedem a igualdade de gênero na cena local e nacional
atualizado
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A desigualdade de gênero presente em diversos setores também ocorre no mercado das artes. Desde o século 19 – quando eram proibidas de frequentar as escolas e ficavam restritas aos ateliês, financiados pelas famílias, ou às poucas academias particulares que as aceitavam – as mulheres vêm lutando para deixar o papel de musa inspiradora e ocupar o lugar da criação. A evolução é latente mas ainda há muitas barreiras impostas pelo machismo.
Em Brasília, das 19 exposições individuais, ou com até quatro criadores, que passaram pelo Museu Nacional da República (Eixo Monumental), em 2018, apenas três mostras tinham a assinatura feminina: Mitogravura, de Cristina Carvalheira; Brasília Em Todos Os Sentidos, de Luiza Amadeu; Joana VP e Nelson Inocênci; e Por Sobre o Tempo/ Cristal/ Corpo Flutua, na qual Rita Almeida e Yuki Hori dividem o espaço com Carlos Praude.
O dado do espaço público espelha realidade nacional. Em 2017, o coletivo feminista Guerrilla Girls ganhou exposição especial no Brasil pela primeira vez. O grupo chamou atenção à discrepância na curadoria das obras de arte no acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp): apenas 6% dos nomes em exposição são femininos, mas 60% dos nus são mulheres.
A situação do Museu Nacional repete-se em outros centros culturais do DF. Das cinco grandes mostras que ocuparam o Centro Cultural Banco do Brasil (Setor de Clubes Esportivos Sul) no ano passado, somente Ex-África contou com uma única presença feminina, a da nigeriana Ndidi Nike: o outros 17 expositores eram do sexo masculino.
Na Caixa Cultural Brasília (Setor Bancário Sul) o padrão é o mesmo. Das 13 exposições individuais ou com peças de até seis artistas, cinco tiveram representantes femininas: Cor e Corpo, de Tomie Ohtake; Navio de Emigrantes, de Leila Danziger; Da Estamparia Litográfica, de Lotus Lobo. Além de Daqui pra Frente – Arte Contemporânea em Angola, com obras de Mónica de Miranda, e Arte pra Sentir, com Carolina Ponte.
A Referência Galeria de Arte (202 Norte) sai um pouco na frente ao abrir a porta para as artistas. Das oito exposições realizadas no espaço, três tinham obras de mulheres. Sendo elas, Os Fios e As Tramas – Arte e Colecionismo, onde Adriana Rocha, Adriana Vignoli, Leda Catunda, Patrícia Bagniewski e Raquel Nava integraram a lista de 27 criadores da mostra.
A Referência também sediou Verter, exposição individual de Adriana Vignoli, e a mostra inédita do Grupo em Branco, composto por Adriana Rocha, Ana Michaelis, Cris Rocha, Patrícia Furlong e dois artistas masculinos. Obras de Vignoli estavam entre as 20 peças levadas pela galeria à SP– Arte 2018, uma das mais importantes feiras da América Latina.
Silvie Eidam, 35 anos, Alemã, há 10 anos vai e vem a Brasília. Selecionada para a residência do II Prêmio Vera Brant de Arte Contemporânea, a artista integra a Rede de Mulheres das Artes Visuais do Distrito Federal, espaço de empoderamento, diálogo e apoio mútuo contra o reflexo do machismo social.
“A figura do artista é muito associada ao homem cisgênero e isso influência bastante a conquista dos espaços. Nós ainda ganhamos menos e precisamos nos esforçar o dobro para chegar aos mesmos lugares”, afirma.
Segundo Silvie, outro privilégio masculino é poder tratar de qualquer assunto em suas criações, enquanto à mulher é dado apenas os lugares das representações. “Nós temos de falar do universo feminino, vão criando nichos para a gente. É como se a arte do mundo já tivesse dono”, pontua.
A opinião é endossada por Luisa Günther Rosa, professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB). “Eu estou aqui com a Cecília Gomes. Ela participou de um edital feminista e não foi aprovada pois as obras dela falavam sobre paisagens e não do feminino. Acho simbólico o fato de ser um chamamento sobre mulheres, feito por mulheres, e mesmo assim haver esse direcionamento sobre qual tipo de arte uma mulher pode fazer”, completa.
Contudo, Silvie vê com esperança o futuro feminino. “Acho que está melhorando muito, as artistas estão entrando agora com outra energia. Não é mais tão fácil fazer uma seleção sem nenhuma mulher. Não sei se é uma coisa consciente das curadorias”, acredita.
Doutora em história da arte e um dos nomes mais fortes da cena brasiliense, Graça Ramos faz questão de lembrar que no Brasil, diferentemente de outros países, as mulheres foram as responsáveis por trazer novidades do mundo das artes. “Não podemos esquecer de Tarsila do Amaral e tantas outras”, reforça.
Dificuldades
Para Luisa Günther Rosa, o mundo das artes é um microcosmo de uma sociedade patriarcal mais ampla. De acordo com ela, a dificuldade de gerir uma carreira artística na capital federal se apresenta para todos, porém os obstáculos triplicam para as mulheres. “Acontece em todas as áreas. O homem normalmente consegue focar mais na carreira, já que não tem de dividir o tempo cuidando de filhos, por exemplo”, salienta Günther.
De acordo com a professora, questões raciais e de classe também geram pesos extras para a inserção no mercado artístico. “O sistema de cotas, o PAS e o Enem, por exemplo, modificaram muito o perfil das universidades federais, mas se o próprio segmento não é valorizado, como o artista será?”, conclui.