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Em nova obra, Chico Felitti conta história esquecida das travestis mafiosas de SP

Rainhas da Noite faz um levantamento inédito do cenário da comunidade LGBTQIA+ do centro de São Paulo entre os anos 1970 e 2000

atualizado

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Chico Felitti
1 de 1 Chico Felitti - Foto: Reprodução

Os nomes de Jacqueline Blablablá, Andrea de Mayo e Cris Negão são praticamente desconhecidos, apesar do trio ter protagonizado dezenas de histórias dignas de cinema, com direito a disputas, assassinados, prostituição e muito dinheiro. Responsáveis por dominar uma verdadeira máfia, no centro de São Paulo entre os anos 1970 e 2000, elas sofreram o que pesquisadores chamam de violência arquival, apagamento que marginalizou por anos travestis, transexuais, transformistas e drag queens . Disposto a recuperar o que anos de preconceito tentou dissipar, o escritor e jornalista Chico Felitti lançou, essa semana, o audiobook Rainhas da Noite, com um levantamento inédito do cenário da comunidade LGBTQIA+ paulista da época.

Repórter “raiz”, acostumado a descobrir e apurar boas histórias na rua, Chico viu no isolamento imposto pela pandemia de Covid-19 uma pausa oportuna para ir atrás de rumores que circulavam entre seu grupo de amigos como lendas urbanas. “Era uma narrativa desconhecida até por mim. Nasceu como um sussurro, porque sou amigo de travestis, drag queens e mulheres trans das antigas. De vez em quando, uma com seus 60, 70 anos, falava ‘ah, porque na época das babadeiras’, ‘das pesadonas’, ‘da Jacqueline Blablablá’ e ninguem sabia me dizer muito bem quem era. Isso me deixava muito curioso”, contou.

“Com a pandemia eu tive que parar tudo que eu estava fazendo. De repente me vi trancado dentro de casa, como um animal enjaulado, e comecei a ligar para amigas que estão no mundo inteiro e conversar sobre Jaqueline Blablablá e, depois, consequentemente sobre a Cristiane Jordan e a Andrea de Mayo”, completa.

O autor descobriu que as cafetinas chefiavam uma esquema grande e lucrativo o bastante para custear limousines, dezenas de apartamentos e dominar o mercado de sexo no centro da cidade. Porém, o preconceito levou até mesmo os crimes que as três cometiam a caírem no esquecimento. “Eram tão marginalizadas que podia acontecer o que acontecesse ali. Elas podiam matar alguém, ser mortas — como foram, de fato, todas com mortes violentas — que a polícia não investigava, o jornal não dava, então elas só existiam na história oral”.

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Beth Carioca, Jacqueline Blablablá, Suzy Parker, Andreia Braun e Kelly Cunha
Fotos das travestis, drag queens e mulheres transexuais da época são raridade, assim como outras informações
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Capa do audiobook. Expectativa é que versão em e-book seja lançada daqui um ano

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Beth Carioca, Jacqueline Blablablá, Suzy Parker, Andreia Braun e Kelly Cunha

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Fotos das travestis, drag queens e mulheres transexuais da época são raridade, assim como outras informações

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Dividido em sete capítulos, o audiobook lançado por Chico na quinta-feira (29/9) mostra o que os registros burocráticos deixaram de fora, da exploração sexual a feitos artísticos e riqueza financeira — tudo por meio do das memórias afetivas de mais de cem pessoas que conheceram as três controversas personagens. “Elas eram amadas por algumas pessoas, odiadas por muitos e temidas por todos”, ressalta o escritor paulista.

Além da ligação das rainhas com a criminalidade e, mais para o fim do período, o mundo das drogas, a obra traça um retrato da brilhante e espalhafatosa noite do centro paulistano desde os anos 1970. Um mundo que chegou ao fim com a chegada de traficantes na área e a difusão do consumo do crack, depois dos anos 2000.

Para dar voz a essa história tão emblemática, Felitti escolheu a atriz transexual Renata Carvalho, conhecida por ter encenado o papel de Jesus Cristo na peça teatral O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Rainha do Céu. “Foi uníssono”, diz ele, referindo-se a avaliação da Storytel, plataforma que comprou os direitos da obra por um ano.  “Sugerimos o nome quase ao mesmo tempo”, acrescenta.

“Eu conhecia a Renata do teatro e fiquei muito animado em poder escrever essa história pra ela. Idealmente tinha que ser um livro feito pela comunidade T inteira. Mas na melhor das hipóteses, pelo menos, é uma equipe inteira LGBTQIA+. Tanto a pessoa quanto fez a pesquisa, Renata, eu, tá todo de alguma mundo inserido na comunidade. Achava que fosse essencial uma pessoa T lendo essa história”.

Confira, abaixo, a entrevista completa:

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