Elza Soares tinha papel importante na luta contra racismo
A cantora, que morreu nesta quinta-feira (20/1), nunca escondeu sua vontade de um mundo igualitário e sem discriminações
atualizado
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Considerada a voz do milênio, Elza Soares não fez seu nome apenas no mundo da música. A cantora, que morreu nesta quinta-feira (20/1) aos 91 anos de idade, também marcou a trajetória da luta negra, feminista e LGBTQIA+ no Brasil. Suas músicas costumavam falar sobre racismo, enquanto suas entrevistas à imprensa deixavam clara a vontade que a artista tinha de ver um mundo igualitário para todos, independentemente de credo, gênero ou cor.
Antes da pandemia de Covid-19, por exemplo, o Carnaval do Rio de Janeiro de 2019 teve Elza Soares como enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel. Na época com 89 anos, ela desfilou como destaque do último carro.
Na ocasião, a escola de samba mostrou as partes mais difíceis da vida da artista, como quando ela cantou em circos ou quando apanhou de ex-companheiros. Para marcar o momento, os ex de Elza foram comparados a homens das cavernas na ala Machismo: Os Selvagens do Circo.
Em todo o percurso, que também contou com a ala Fênix: A Reinvenção da Deusa, na qual a escola de samba retratava Elza Soares como porta-voz das mulheres e da comunidade LGBTQIA+, a cantora esteve sentada em seu trono, observando todo o movimento e marcando o último Carnaval antes de um dos períodos mais tenebrosos que o mundo já enfrentou.
Lidei muito com preconceito. É por isso que eu falo tanto das mulheres, especialmente das mulheres negras. Falo muito do racismo e da homofobia, da cultura, do respeito e da tolerância. Ainda é difícil ser uma mulher negra no mundo. Assusta-me muito ver certos governos caminharem para o racismo. Eu já vi e vivi muita coisa, por isso só posso ter esperança e acreditar em dias melhores. A minha experiência ensinou-me que só podemos ter respeito e sermos tolerantes com os outros.
Elza Soares, para o site Delas
Uma das principais músicas de Elza, inclusive, é uma crítica ao racismo. A Carne, lançada em 2002, diz: “A carne mais barata do mercado / É a carne negra”. Na canção, a cantora fala sobre “brigar por justiça e por respeito”.
“Elza foi uma mulher à frente do seu tempo. Ela sempre esteve atenta aos debates sobre racismo e machismo, mas, sem dúvidas, a chegada do disco Mulher do Fim do Mundo deixou a posição sócio-política de Elza ainda mais evidente. Elza cantava e falava sobre isso porque são demandas urgentes no nosso país, que infelizmente lidera trágicas estatísticas quando se trata da população negra e das mulheres. No Brasil, há um genocídio antinegro em curso e o país é o quinto no ranking de feminicídio”, afirmou Maíra de Deus Brito, doutoranda em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília (UnB), ao Metrópoles.
Luta feminista
No programa Falas Femininas, da Globo, Elza interpretou a canção O Que se Cala, e deu seu depoimento sobre o que é ser mulher nos dias atuais. “E as mulheres… continua denunciando: 180, por favor. Você, que é vizinho, meta a colher mesmo, grite, ajude a gritar”, disse ela, em entrevista à Folha.
Ela também não se calou quando o assunto é a luta antirracista: “A gente está vendo o próprio negro sendo racista. A gente tem exemplos na cara da gente”.
Meu nome é agora. Eu acredito que para fazer o bem tem que fazer o bem hoje, não deixar para amanhã o que pode fazer hoje. Faça já. Eu faço meu bem agora, não deixo para depois. Eu não sei o que será de mim depois, o que será do outro lado, não tenho certeza.
Elza Soares, para a Folha de S. Paulo
Ao site Delas, Elza foi sucinta quando questionada se é feminista: “Eu já nasci feminista, a lutar pelos direitos das mulheres. Sou feminista pela minha mãe, por mim. Para mim, ser feminista é brigar, é lutar. Faço isso através da minha música e da minha fala e, embora ache que as novas gerações já estão muito mais conscientes, há muito trabalho a fazer”.
“A morte de Elza impacta não apenas a música, mas todas as áreas. Teatro, cinema, esporte, política. Elza foi e sempre será uma referência essencial. A morte dela é um baque, mas acho importante que a gente sempre se lembre da sorte que foi viver no mesmo tempo que Elza Soares”, completou Maíra.
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