Drag Queen defende a presença de mulheres na arte: “Não é gênero”
A trajetória das artistas femininas na cultura drag é cheia de impecilhos, que vão desde a invisibilidade até o machismo
atualizado
Compartilhar notícia
Perucas, saltos altos, maquiagem extravagante e brilho. Estes são alguns dos elementos que ajudam um artista a montar a própria drag queen, que é uma persona dramática ou um alter ego para contar uma história em uma performance. Apesar de estar associada ao mundo masculino — em que homens usam componentes do universo feminino em uma montagem exagerada —, mulheres também estão presentes na arte drag.
“Ser drag, para mim, significa a externalização do meu ‘eu’ interior artístico da forma mais extravagante e verdadeira possível. É minha grande paixão”, define a drag Gabrielle Britt, que é a drag queen da cantora Gisele, de 22 anos. “Nunca foi sobre gênero”, reforça.
A arte drag sempre foi um espaço que abraça todas as pessoas, independentemente do gênero ou sexualidade. Ainda nos anos 1970 e 1980, Elke Maravilha já usava elementos da cultura em roupas e maquiagens. Já em 2023, Xuxa apresentou o reality Caravana das Drags, do Prime Video, ao lado de Ikaro Kadoshi.
Apesar da grande representatividade e impacto das apresentadoras na cultura pop, até hoje há um debate sobre a participação de mulheres na arte. A cantora norte-americana Chappell Roan, que usa elementos do drag em seus trabalhos, fomentou essa questão nas redes sociais recentemente.
Mesmo com a persistência do tópico, mulheres resistem na arte drag. “Eu já fui muito desvalorizada e invalidada. Já ouvi diversos comentários do tipo ‘você não é uma drag de verdade’ — sendo que eu passo 4 horas me montando, semanas ou até meses planejando performance, assim como qualquer outra drag”, afirma Gabrielle Britt.
Cada drag tem a própria linguagem para comunicar sua mensagem, seja na roupa, maquiagem ou performance. Além das particularidades de cada artista, a única diferença entre mulheres e homens na cena são as oportunidades.
“Até mesmo dentro do mercado de trabalho, contratação. Tem muitas casas de shows, por exemplo, que nem aceitam mulheres drags. Eu já percebi que homens drags, que começaram junto comigo, já conseguiram muito mais coisas do que eu”, comenta Gabrielle.
A visibilidade do trabalho de mulheres nesse segmento também é um ponto. “Quantas mulheres drags você conhece? Quantos homens drags você conhece? A diferença é discrepante. As pessoas nem sabem que existem mulheres drags!”
Críticas
O jurado do Drag Race Brasil, Raphael Dumaresq, afirma que o trabalho de mulheres contribui bastante na arte drag. “Dentro da cena temos algumas (ainda poucas) mulheres fazendo trabalhos lindos com suas drags. Temáticas humanas, femininas… seus corpos e vivências acrescentam muito.”
Apesar disso, mulheres que trabalham com o universo drag ainda são atacadas. Além de Gabrielle, Xuxa também recebeu críticas por apresentar a Caravana das Drags. Na época, a apresentadora foi defendida pelo colega de elenco Ikaro Kadoshi.
“Uma drag queen usa os símbolos e signos do feminino para que sua arte exista. E esses símbolos e signos só são doados por quem? Por uma mulher. Então falar que uma mulher não pode fazer drag e não sabe do que são esses símbolos e signos do feminino é um crime”, disse o apresentador.
Contrariando algumas expectativas, Gabrielle revela que não é mais “fácil” para ela ser drag por ser mulher. “A feminilidade nos é obrigatoriamente imposta. Não é mais fácil usar arquétipos femininos, como salto alto e maquiagem”, afirma.
“Ninguém nasce sabendo. A gente [mulheres drag queens] tem que aprender como todo mundo e isso não torna a arte mais fácil pra gente”, diz Gabrielle.
Machismo
Sem envolver gênero ou sexualidade, a arte drag surgiu nos anos 1960, em Nova York e Londres, e chegou ao Brasil duas décadas depois. Hoje, é conhecida por mais pessoas.
O reality show RuPaul’s Drag Race, cuja primeira temporada foi lançada em 2009, apresentou o conceito para um público além das boates LGBTQIAP+. Já as cantoras drags Pabllo Vittar e Gloria Groove aproximaram os brasileiros da arte.
O jurado do Drag Race Brasil, Raphael Dumaresq, pontua que, como é mais comum ver homens como drags, a arte ficou associada ao gênero masculino. “Por existir uma grande parcela de homens em clubes, bares e teatros performando suas drags, sentimos um estranhamento em aceitar mulheres no meio.”
O artista, contudo, não exclui o fato de haver uma “nota de machismo” na invisibilidade das mulheres na cena, “ao não aceitarem e validarem a mulher expressando sua linguagem”. “A mulher drag ficou por anos sem seu merecido holofote”, completa Raphael.
“O corpo de uma mulher por si só já é visto de forma diferente na sociedade. E quando esse corpo exerce uma potência criativa e artística, ele entra em mais uma camada. O plus que uma mulher drag tem é justamente conseguir desbloquear seu corpo de amarras.”
A vivência como mulher na sociedade, para Gabrielle, apenas completa a “consciência e empoderamento feminino” na arte. Apesar dos embates, ela acredita em um avanço na inclusão de mulheres na arte drag. “A gente sempre existiu e vai continuar existindo, e eu acho que a chave é a gente falar sobre isso cada vez mais e continuar resistindo, tendo coragem para sermos quem somos e quem queremos ser”, afirma.