De Helena a Dona Hermínia: como as mães mudaram no audiovisual
Acompanhando as mudanças sociais, a representação das mães nas telonas e nas telinhas mudou através do tempo, mas segue linha conservadora
atualizado
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Pode ser um tipo mais afetuoso e devoto, como as Helenas de Manoel Carlos, ou ter aquele jeitinho brigão que demonstra cuidado de um jeito diferente, como a Dona Hermínia do eterno Paulo Gustavo — que morreu em maio de 2021. Seja qual for a personalidade, as mães são figuras retratadas nos cinemas e na televisão há quase um século e acompanham as mudanças sociais.
“A principal mudança é que a mulher mudou. A mulher hoje é essa que pode escolher, inclusive, não ser mãe.” A análise é da jornalista e doutora em comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais Iana Coimbra. Ela destaca que as pessoas buscam identificação quando consomem produtos culturais, principalmente no audiovisual, e querem se reconhecer nos personagens.
“A gente quer assistir nas telas aquilo que representa a nossa realidade. A gente quer se identificar com os personagens, torcer pelos personagens. Então, por exemplo, o encontro da Dona Lourdes com o Domênico é um momento pelo qual todas as mães torciam, porque se viam ali naquela cena, naquela entrega tão bonita. A gente quer ver na tela histórias que nos inspirem e essa maternidade dessa mulher que vence. Isso traz um alento, porque conecta, de certa forma, com aquilo que a gente, como sociedade brasileira, acredita”, avalia a profissional.
Embora veja muitas mudanças ao longo dos anos, ela ressalta que a sociedade brasileira ainda é extremamente conservadora e muitas representações ainda carregam uma essência que sustenta certa visão da maternidade. “Estamos falando de um país onde a figura da mãe é sagrada. A gente tem essas coisas, essas falas, ‘a mãe é sagrada’, ‘mãe é só uma’, ‘a mãe tem que ser eterna’, então acaba que a gente continua vendo nas telas essa figura”, explica Iana.
Ela aproveita ainda para trazer um exemplo de representação que valoriza a figura da mãe como alguém forte, de um jeito até mesmo literal, como é o caso da personagem de Rosi Campos em Da Cor do Pecado, a Mamusca. “A gente tem uma valorização muito grande dessa figura da mãe forte, e essa figura da mãe forte continua sendo essa que nos retrata como mães brasileiras, que tem um monte de perrengue para dar conta, que tem um monte de questões, né? Não é uma maternidade fácil”, pontua.
Todos os tipos de mães
O ano era 2000 quando Lauren Graham deu vida à Lorelai Gilmore, de Gilmore Girls, e apareceu pela primeira vez como a divertida, mas cheia de questões, mãe de Rory. A personagem teve uma filha ainda na adolescência e tenta criar a filha com menos traumas do que ela desenvolveu ao longo da própria vivência com os pais. Isso te parece comum? Pois é. Desde a década de 1990, as produções acompanham mais ainda as mudanças sociais.
Outro exemplo de uma história semelhante, a nível nacional e mais recente, é Malhação — Viva a Diferença. Enquanto a gravidez na adolescência foi algo muito recriminado no audiovisual, a trama de 2017 apresentou Keyla, que tem um bebê logo no começo da temporada e cria ali a rede de apoio, destacando um outro lado importante da maternidade.
“É o filho de uma mãe adolescente, uma mãe solo, que nasce dentro de um metrô. Então você já joga a maternidade sob outro ponto de vista, e você trabalha o conceito de rede de apoio, porque essa criança vai sendo criada no meio daquela comunidade. Então a gente vê essas discussões, de pautas muito levantadas pelas redes sociais, chegando a essas produções do mainstream”, avalia Iana Coimbra.
Ela destaca, ainda, dois dos papéis mais emblemáticos de Regina Casé: Dona Lurdes, da novela Amor de Mãe, e Val, do filme Que Horas Ela Volta?. A primeira, entra ainda na figura materna colocada, de certa maneira, em um pedestal. “Essa figura dessa mãe que tudo doa, tudo entrega, tudo faz e tudo ama. A Dona Lourdes é a figura dessa mãe. Essa mãe chefe de família, que conduz a família com todo amor, toda devoção, que se entrega.”
Do outro lado, com Val, ela traz um olhar da mãe que deixa os próprios filhos para cuidar dos filhos de outra pessoa. “É uma mulher que tem que sair da própria casa e deixar a própria filha, enquanto vai cuidar de uma outra família e maternar uma outra criança”, reforça a doutora em comunicação.
Abram alas para as matriarcas
Como Dona Lurdes, Dona Hermínia, Maria do Carmo (Senhora do Destino), Griselda (Pereirão de Fina Estampa) e muitas outras, as mães também são muitas vezes, dentro da teledramaturgia, as chefes de família. São elas que cuidam sozinhas dos filhos e são responsáveis pelo sustento da família, o que representa muito o Brasil. No país, cerca de 50,8% dos lares são liderados por mulheres, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Nas produções internacionais não é diferente. Iana ressalta que famílias chefiadas por mulheres são muito comuns entre as famílias latinas, como é o caso das Villanuevas, de Jane The Virgin. Na série, a jovem Jane engravida por meio de uma inseminação artificial feita na pessoa errada e faz uma referência à figura bíblica de Maria, se tornando uma virgem grávida. Ela vive com a mãe, Xiomara, e a avó, Alba Gloriana, que é quem comanda a casa e chega até a controlar alguns dos comportamentos da filha e da neta.