Além do tabu e da violência, dark romance explora traumas da sociedade
Livros do gênero dark romance conquistam o público e levantam debates sobre os limites do que pode ou não ser dito em tais obras
atualizado
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Em 1955, Vladimir Nabokov lançava Lolita. Hoje considerada uma das principais obras da literatura do século 20, a trama gira em torno de Humbert e Dolores Haze, um homem de mais de 40 anos e uma menina de 12. Depois de 69 anos da chegada do livro, críticos já pontuam a trama de Nabokov como um “romance erótico” que aborda o crime de pedofilia e o abuso infantil.
Já em 2012, E. L. James estreava um dos principais fenômenos eróticos da atualidade. Em uma série de três livros, a autora tomou conta das estantes de homens e mulheres com Cinquenta Tons de Cinza e sua trama em torno de abuso infantil, fetiches e a prática BDSM.
Ambos os exemplos e tantos outros sucessos de venda são incorporados ao gênero de romance, mesmo que abordem temas violentos. Um subgênero, no entanto, vem tomando conta das redes sociais e causando debates sobre os limites — e se existe algum — dessas tramas: o dark romance.
O que é dark romance?
O dark romance tem como ideal combinar elementos românticos com temáticas sombrias e perturbadoras, como a violência contra a mulher, o estupro, relacionamentos tóxicos, submissão e mais.
Com mais de 1,4 milhão de publicações apenas no TikTok e outros 1,6 milhão no Instagram, além de uma coleção de livros autopublicados em plataformas e lançados por editoras, o subgênero se popularizou pelos temas tabus e os personagens tipicamente maldosos, geralmente mafiosos bombados, empresários gostosos e bandidos malvados que brincam com o imaginário de quem lê.
@autorafaye 📚 nome — Stalker Night autora: Lairy7aydi (o user será modificado em breve) Plataforma: Wattpad. observação: ainda está em lançamento, siga o perfil no wattpad para ser notificado dos capítulos que lançaram em breve | #fanfics #wattpad #wattpadbadboy #romancedark #BookTok #possessive #possessivebookboyfriends #foryou #foryoupage #fyp #booktokbrasil #wattpadforyou #wattpaddarkromance #kindleunlimited #tiktok ♬ sonido original – 𝖊𝖑𝖎𝖆𝖓♱🍟
“O dark romance é um movimento literário do romantismo sombrio, que deriva do subgênero do romantismo. E essa raiz é muito profunda, [existia] para mostrar a realidade crua, em contrapartida com o romantismo otimista”, aponta Olívia Lautre, autora do livro O Peso do Vazio.
O estilo vem para mostrar o sujo, mostrar o grotesco, macabro, que essa é a verdadeira essência da humanidade, do ser humano.
Olívia Lautre
Em suas obras, Olívia utiliza de servidão sexual, tráfico de mulheres e adolescentes, estupro, incesto, violência e outros gatilhos para compor as histórias. Passando a infância em um lar disfuncional e enfrentando problemas com o pai, a autora afirma que encontrou no dark romance uma escapatória para tomar atitudes que ela mesma não podia tomar.
“Eu nunca gostei de coisas levezinhas, como livros de comédia romântica. Eu sempre senti necessidade de explorar temas mais sombrios. Por mais problemático que fosse o dark que eu lesse naquela época, era aquilo que eu conseguia entender e eu me identificava”, explica.
Evilane Oliveira, responsável pela série Renascidos em Sangue, segue a mesma linha de Olívia: “Violência é o meu ponto central. Meus personagens masculinos também são mais frios, são os verdadeiros vilões das suas próprias histórias.”
Nós gostamos do diferente, os romances dark nos instigam mais que outros. Somos levadas pela curiosidade e uma distorcida paixão pelo erro.
Evilane Oliveira
Os limites do sombrio
Mesmo que tenha uma gama de fãs que garantem a viralização dessas obras, há debates sobre os limites do que pode ser escrito em obras de dark romance. Afinal de contas, os maiores consumidores desses livros são leitores que buscam referências nas redes sociais: os jovens.
Mesmo usando de seus mafiosos para se expressar em suas obras, Evilane deixa claro que não aceita abordar o estupro em suas tramas. “Acho que esse tema abordado por uma mulher, em um livro para mulheres, nos fere. Não o assunto em si, mas ele ser feito pelo protagonista que está ali para amar a mocinha, mesmo com todas as suas características cruéis. É uma linha que jamais irei cruzar”, garante.
Dona do perfil Kah Leitora, Kah é uma das tantas apaixonados pelo gênero dark romance e deixa claro que, na sua opinião, não existe um “limite” de escrita, apenas o que cada um é capaz de ler.
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“Abordar um assunto não quer dizer que se compactua com ele, inclusive vem escrito na nota da autora sobre ser uma obra fictícia. Existem em filmes e séries as mesmas cenas ou até piores e as pessoas decidem se querem ou não ver, assim deveria ser com o dark romance também. Esse gênero não é para todos, assim como filmes de terror ou literatura clássica também não são”, pontua.
Já Olivia pontua: “Nós sabemos a seriedade de adolescentes, sem o senso crítico formado, se aventurarem em obras do tipo. Mas vale lembrar que homens na adolescência procuram formas nocivas de explorar a sexualidade, e não vemos discussões sendo levantadas sobre isso.”
O que dizem os especialistas?
Izabella Melo, psicóloga e mestra em psicologia clínica e professora do Centro Universitário de Brasília (CEUB), e André Almeida, psicólogo e especialista em sexologia, concordam que o machismo e a misoginia intrínsecas na sociedade podem explicar o consumo dessas obras.
“A nova geração, como a geração anterior, como a geração antes dessa, sempre foi imersa no machismo. Essas questões associadas ao machismo e à objetificação feminina vão se transformando e vão assumindo novas formas. Conforme a cultura vai mudando, conforme a necessidade de adaptação de questões no poder pedem”, inicia André.
“Quando a gente vê a nova geração lidando com o TikTok, elas vão reproduzir de outras formas determinados comportamentos machistas que estavam lá atrás e que elas aprendem, que nem com a geração anterior”, completa.
Izabella, por sua vez, completa: “Se a gente entende essas obras enquanto manifestação da cultura, essas obras estão comunicando aspectos que interessam, que chocam, que integram os membros dessa cultura. Quanto mais elas são consumidas, mais elas são produzidas e a gente tem a cultura que se retroalimenta”.
André ainda deixa claro ser necessário atenção quanto ao conteúdo de romances dark: “Com certeza a atenção é algo fundamental para esse gênero, principalmente pela romantização a determinadas formas de violência. E quando a gente romantiza essas perspectivas, muitas vezes a gente acaba ratificando violências.”