Conheça Ruth Venceremos, a drag que levou a militância LGBT para o MST
A artista contou ao Metrópoles sobre sua trajetória como ativista que articula a dimensão da arte com a da política social
atualizado
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Quantas lutas se trava ao longo de uma vida? Erivan Hilário, de 35 anos, pernambucano que dá corpo e voz a Ruth Venceremos, mostra ser possível ouvir seu ímpeto de justiça em diversas frentes. Coordenadora educacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante do Distrito Drag, grupo de transformistas do DF, a artista mostra que os direitos a terra, liberdade e respeito se complementam.
Para comemorar o Dia Internacional da Drag Queen, celebrado nessa quinta-feira (16/7), o Metrópoles conta a trajetória da ativista, que articula a dimensão da arte com a da política social e é uma das criadoras do Bloco da Montadas, que arrastou mais de 60 mil foliões no Carnaval 2020 de Brasília.
LGBT e o MST
Erivan conheceu o MST aos 13, quando se mudou com a família para um dos acampamentos do movimento na região de Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco. Foi na escola do assentamento onde concluiu o ensino fundamental e deu início a todo o seu percurso educacional. A militância LGBT começou na mesma época, a partir de conversas com pessoas de vários outros estados que, assim como ele, vivenciavam o preconceito por sua orientação sexual dentro do movimento. “Éramos motivo de piada ou olhares atravessados”, lembra.
Assim, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, surgiram as primeiras ações da comunidade LGBT dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Uma das mais emblemáticas de que se lembra Erivan, aconteceu durante uma marcha com mais de três mil pessoas na Bahia, quando cerca de 150 jovens fizeram várias intervenções artísticas e atividades educacionais contra o machismo e a LGBTfobia.
Daí até a homologação e constituição formal do Coletivo LGBT Sem Terra, em 2018, do qual Erivan é um dos criadores, a caminhada foi longa. “Esse amadurecimento é uma demonstração de que este MST, como maior movimento popular da América Latina, existente há quase quatro décadas, se fez e se faz como práxis transformadora, que vivencia contradições, percebe seus limites e se reinventa, qualificando assim sua atuação e ação política”, reforça o ativista.
Ruth Venceremos se diz orgulhosa por fazer parte de duas lutas tão importantes: o direito à terra e à liberdade de amar e existir. A única coisa que a militante lamenta é a visão distorcida que boa parte dos brasileiros têm sobre o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra.
“Pouco se fala que esse movimento é o maior produtor de arroz agroecológico da América Latina. São os trabalhadores do campo que garantem 70% da produção de alimentos desse país”, salienta a artista, que enfatizou, ainda, o caráter solidário do MST. “Neste contexto da pandemia, doamos mais de 2,5 mil toneladas de alimentos e entregamos mais de 70 mil marmitas solidárias”, completou.
Nascimento da Ruth Venceremos
O apreço pela dança, música e literatura acompanham Erivan desde a infância. Aos 14 anos, vestiu-se com roupas femininas pela primeira vez, durante um trabalho escolar, uma apresentação teatral para falar sobre o HIV. “Aquilo foi transformador, pois, além de uma questão da transformação estética, via naquilo um potencial de conscientizar pessoas”, recorda. Mas a persona Ruth Venceremos só nasceria anos mais tarde, em 2015, pouco antes da artista desembarcar na capital federal.
Foi durante o 1º Seminário O MST e a Diversidade Sexual, realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), por sugestão de um amigo e companheiro de luta. “Ele disse que eu tinha cara de Ruth e que o sobrenome Venceremos tinha a ver com a ideia de projeto coletivo, de que todas deveríamos estar unidas para alçarmos as grandes vitórias”, conta.
Pode-se dizer que Ruth Venceremos é cria das ruas de Brasília, já que a primeira apresentação oficial da personagem foi no Bloco Virgens da Asa Norte, no Carnaval de 2016. De lá para cá, a ativista buscou apurar-se na arte drag com os ensinamentos de personalidades brasilienses. “Fiz oficina de iniciação drag com Mary Gambiarra e Dita Maldita, duas mestres na arte da transformação”, afirma.
Apesar do apoio das transformistas locais, quando pensa em inspiração, apenas um nome acompanha Ruth desde a infância: Jorge Lafond, com seu personagem Vera Verão, que ainda na adolescência se encantava ao ver na TV. “Lembro que foram inúmeras as vezes que fui chamado de Vera Verão como forma de chacota. O que para meus detratores era um xingamento, para mim, era motivo de orgulho. Sou uma bicha preta. Representatividade importa”, salienta.
Filha de sertanejos e de uma leva de 14 irmãos, Ruth se alegra por sempre ter contado com o apoio dos familiares. “Desde que eu me entendo como LGBT, e isso é desde a minha infância, tem sido um grande aprendizado para mim e para minha família”, considera. Segundo ela, a mãe, em especial, é sua principal entusiasta. “Ela vibra a cada montação que faço, que apoia e entende que é uma forma de trabalho”.
Para a drag queen, porém, a arte é mais que um ofício. “É parte fundamental da minha existência. É o oxigênio necessário para eu continuar viva. A arte drag me possibilitou ampliar meu repertório cultural e de conhecimento”, conclui.