Amigos e familiares se despedem de Vladimir Carvalho no Cine Brasília
Vladimir Carvalho morreu nessa quinta-feira (24/10) e foi velado no Cine Brasília, um dos espaços mais tradicionais da capital federal
atualizado
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Nesta sexta-feira (25/10), um dos espaços mais tradicionais da sétima arte na capital recebeu a despedida de Vladimir Carvalho. O cineasta paraibano, precursor do Cinema Novo, foi velado no Cine Brasília, um dia após falecer aos 89 anos, em decorrência de um infarto. Internado há três semanas, Vladimir também enfrentava problemas renais.
Entre os presentes no velório estava o também cineasta Walter Carvalho, irmão de Vladimir. Muito abalado, ele enalteceu a memória do companheiro de vida e trabalho.
“É um sentido humanitário, um sentido humano, um sentido humanista. Um sentido do coletivo. O Vladimir fazia cinema não em proveito próprio, ele fazia cinema para refletir, questionar e avançar com as mudanças”, disse Walter ao Metrópoles.
“O legado é o cinema que ele fez e é o que eu, meu filho e sobrinhos vamos continuar fazendo, porque foi ele que nos colocou nessa estrada. O meu irmão me ensinou o que eu não sei. Eu hoje estou órfão e o resto é silêncio”, concluiu o irmão de Vladimir, bastante emocionado.
A viúva, Maria do Socorro Coutinho de Carvalho, também acompanhou o velório. “[É um momento] muito difícil, mas vou guardar esse amor, que foi muito forte desde 1966, e agradecer a ele por existir na minha vida.”
Quem também marcou presença na despedida foi o professor e crítico Sérgio Moriconi, que relembrou seu primeiro contato com o cineasta: em uma sala de cinema vazia, onde apenas os dois queriam ver o filme.
“Fui aluno e monitor do Vladimir e dava muitas aulas para ele, porque ele saía para gravar. E criamos uma amizade, ele era um irmão, eu levava ele para cima e para baixo, para os show no clube do choro, para jantar”, detalhou. Moriconi acrescentou que acredita na permanência do legado do cineasta: “Ele estará presente ainda por muitos anos. Quem viver, verá.”
Vizinho de Vladimir, o jornalista Guilherme Pera conta que às vezes assistia jogos de futebol com o cineasta embaixo do bloco em que moravam. “Ele era bem atuante nas reuniões de condomínio”, lembra entre risos. Pera também conta que o pai dele, que também se chamava Vladimir, conheceu o ícone do Cinema Novo ainda na juventude, na Universidade de Brasília, e que os dois tinham um jeito muito particular de se comunicar: “Eles conversavam pela lotérica. Meu pai deixava um recado, ele ia lá e deixava outro”, conta.
Guilherme Reis, criador do Cena Contemporânea, também fez questão de se despedir do amigo de longa data — os dois se conhecem desde 1978. “É um grande homem, um guerreiro do cinema brasileiro, um dos responsáveis pela documentação da memória de Brasília, e feito sempre de forma brilhante e com olhar crítico que às vezes falta. E era um homem generoso, de muitos amigos, e claro que ele fará uma falta muito grande”, declarou o ator e diretor de teatro.
O adeus a Vladimir Carvalho contou também com a presença de Cristovam Buarque, que garantiu ter perdido um amigo com quem se encontrava com frequência, principalmente em eventos culturais da cidade. “Ele era um símbolo de Brasília. E o símbolo não morre. Agora, mais do que isso, temos a perda de um dos maiores documentaristas cinematográficos do Brasil. Não tem muitos como ele, à altura dele.”
Secretária de audiovisual do Ministério da Cultural, Joelma Gonzaga estava prestes a participar de uma mesa na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo quando soube da morte de Vladimir. Ao se despedir, ela ressaltou que um dos grandes privilégios do cargo foi conhecê-lo pessoalmente. “Eu já conhecia a cobra e pude ter vários encontros com ele, várias conversas. Foi uma honra e um grande privilégio de vida ter conhecido o Vladimir e ter vivido no mesmo tempo e espaço que ele.”
Legado e memória
Sobrinho de Vladimir, Lucas Carvalho lembra com carinho do tio e reconhece a importância dele para o cinema. “Ele foi o maior documentarista da história do cinema brasileiro, né? Meu pai gosta de falar que ele não tem filhos, mas ele falava que os filmes são os filhos dele. Então ele deixou um legado de filhos muito grande, com filmes muito importantes para décadas diferentes da nossa vida”, avalia o sobrinho do cineasta.
Lucas também destaca que a história de Vladimir se confunde com a de Brasília. “Ele veio pra cá em 69 para dar um curso, virou professor, acabou ficando. Então o Vladimir, ele é um cara que a história dele vai se confundir com a do cinema brasileiro, e você vê pelas capas dos jornais hoje, pela movimentação aqui, a importância que ele tinha pra essa cidade, pra quem foi aluno dele ou quem não foi, e para, principalmente, pra história do cinema mesmo.”
O legado de Vladimir Carvalho também será marcado pelo acervo deixado por ele, que deve ser exposto ao público em breve. O trabalho está nas mãos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que agora estuda locais que possam receber os itens, que incluem filmes, esculturas, xilogravuras e mais.
Segundo o presidente do Iphan, Leandro Grass, a ideia é criar uma cinemateca e oferecer para a cidade um espaço que reúna novos cineastas a trabalhos consagrados da cidade, além de projetar o audiovisual da cidade. “Falta espaço para essa relação acontecer de forma mais intensa”, enfatiza. Um dos locais interessados é a Universidade de Brasília. Ao Metrópoles, a reitora Márcia Abrahão garante que vai dialogar com o Iphan para acolher o acervo.
O secretário de Cultura e Economia Criativa, Claudio Abrantes, garante que uma das prioridades da pasta é garantir que a memória dele se mantenha viva na cidade. “Estamos estudando e trabalhando para que possamos continuar reconhecendo, com gerações à frente, quem era Vladimir Carvalho.