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Viver (e morrer) com Afonso Brazza

No dia em que o Festival de Brasília exibe “Afonso É uma Brazza”, o jornalista Bernardo Scartezini lembra a experiência de brincar de atuar sob direção do cineasta-bombeiro

atualizado

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Puxei o revólver no meio da Feira da Torre. E atirei pelas costas, num gesto covarde. Um único tiro e o sujeito caiu morto à distância. Ainda hoje carrego uma certa culpa. E talvez por isso ainda hoje eu evite assistir a filmes de ação.

Tem certeza que é para eu atirar pelas costas, mesmo? Perguntei pro Afonso Brazza, me sentindo um tanto calhorda. Brazza tinha certeza. Eu sou um bandido, ele me garantiu, e bandidos atiram pelas costas.

Afonso Brazza estava certo. Afonso Brazza estava quase sempre certo. Por isso não me ressenti nem um pouco, não levei pro pessoal, quando, um par de sábados mais tarde, ele me acertou uma bala no meio da testa. Aquela bala tinha meu nome encravado nela, eu a merecia. E ele me acertou de frente. Ele era o herói. E tu sabes que heróis de fitas de ação não atiram pelas costas, não.

Na véspera, Brazza tinha ligado para a minha casa. Ele sempre me ligava nas noites de sexta-feira para dizer onde seria a filmagem na manhã seguinte. Às vezes, era num clube na entrada do Gama. Às vezes, em alguma matinha nas cercanias da Avenida das Nações. Mas daquela vez que ele me ligou, em especial, Brazza deixou claro que eu não poderia faltar. Era a minha hora de morrer.

Apenas mais um a morrer em “Tortura Selvagem – A Grade” (2001), o oitavo filme de Afonso Brazza, que passou um mês no Cinemark do Pier 21. Eu tinha conhecido Brazza anos antes, através de uma malhada fita VHS da obra-prima “Inferno no Gama” (1993). Aluguei a fitinha na locadora Oscarito, da 406 Norte, que ficava estrategicamente perto do campus da Universidade de Brasília, onde o culto ao bombeiro-cineasta já se fazia sentir.

Mais tarde, por essas facilidades da profissão de jornalista, conheci pessoalmente Afonso Brazza. Era manhãzinha da véspera do Natal de 1998, e ele agitava uma sessão de pre-estreia de “No Eixo da Morte” no Cine Márcia do Conjunto Nacional. Logo veio o convite para eu participar de sua turma de gauches, sua adorável bande à part. Gordo e alto, eu tinha um tipo físico apropriado para ser bandido, ele me disse, quase num elogio.

Àquela altura, o culto a Afonso Brazza já lhe garantia primeiras páginas de jornal e salas de cinema cheias. Sua estética mambembe já estava assimilada pelo público brasiliense. E a figura de Afonso Brazza, com seu uniforme do Corpo de Bombeiros e seu quepe perfeitamente alinhados, já era reconhecida em todo canto.

Quando puxei aquele revólver no meio da Torre de TV, muita gente achou – claro – meio esquisitão para uma manhã de sábado. E dois guardinhas chegaram discretamente em Afonso Brazza pedindo para que, por favor, ninguém mais disparasse tiros de festim no meio das barraquinhas, sim?

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