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Via Crucis: Mostra Brasília busca recursos para reverter cancelamento

Após perder financiamento da Câmara Legislativa, segmento local do Festival de Brasília deve retornar com produção do BRB

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1 de 1 WhatsApp-Image-2017-09-20-at-7.09.48-PM - Foto: Metrópoles

O cinema brasileiro vive ano contraditório. Prêmios para Bacurau, hit do momento, e A Vida Invisível, representante do Brasil no Oscar 2020, em Cannes (França), A Febre em Locarno (Suíça), Espero Tua (Re)Volta em Berlim (Alemanha), sem contar filmes selecionados e outras condecorações, marcam um 2019 ímpar.

Ao mesmo tempo, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem enfileirado ameaças contra a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e projetos que considera “inadequados”. Em outra frente, empresas estatais deixaram de participar de eventos e manutenção de espaços, como Petrobras e Caixa Econômica. Na capital federal, casa do Festival de Brasília, o mais antigo do país, não é diferente. Quem mais sofre é a Mostra Brasília, segmento que exibe e premia curtas e longas do Distrito Federal desde 1996.

Em agosto, o Troféu Câmara Legislativa, nome de batismo do prêmio da mostra, foi cancelado. O motivo: redução de gastos, segundo o deputado Rafael Prudente (MDB), presidente da CLDF. Em 2019, na 52ª edição do Festival de Brasília (de 22/11/2019 a 1º/12/2019), o segmento de “pratas da casa” distribuiria R$ 250 mil em prêmios nas 13 categorias, além das estatuetas. “Não temos margem para isso, infelizmente. Se houver melhoras nas contas, retornaremos com o troféu em 2020”, afirmou, à época, o parlamentar. O corte, não à toa, revoltou a classe cultural e artística do DF.

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New Life S.A., de André Carvalheira: melhor filme da Mostra Brasília 2018
Entre Parentes, de Tiago de Aragão: curta vencedor da Mostra Brasília no ano passado
Marcus Azevedo e Bruno Victor, diretores de Afronte, curta sobre negros gays do DF: sessão na Mostra Brasília 2017 foi uma das mais movimentadas dos últimos anos, com participação do público e manifestações políticas
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Exibição da Mostra Brasília em 2017: sessões lotadas são uma tradição do evento

Rômulo Juracy/Divulgação
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New Life S.A., de André Carvalheira: melhor filme da Mostra Brasília 2018

Divulgação
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Entre Parentes, de Tiago de Aragão: curta vencedor da Mostra Brasília no ano passado

Divulgação
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Marcus Azevedo e Bruno Victor, diretores de Afronte, curta sobre negros gays do DF: sessão na Mostra Brasília 2017 foi uma das mais movimentadas dos últimos anos, com participação do público e manifestações políticas

Rômulo Juracy/Divulgação
Reviravolta

Um dia após o anúncio, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), realizadora do festival, entrou no circuito, garantindo a exibição da mostra Brasília. Quanto aos prêmios, afirmou que usaria o Candango, honra máxima da mostra competitiva, a principal do evento, para premiar os melhores longa e curta do DF.

Nos últimos dias, uma movimentação de bastidores, envolvendo tanto CLDF quanto Secec, começou a trazer boas notícias. O Banco de Brasília (BRB), parceiro do festival há duas décadas, entrou na jogada para viabilizar o evento. O anúncio oficial da agora Mostra Brasília BRB, com abertura de inscrições e detalhamento da premiação, será na próxima semana.

Após a repercussão negativa, Rafael Prudente (MDB) admite que parlamentares se mobilizaram para “que a premiação não deixasse de acontecer”. “Sabemos da dificuldade financeira da Câmara Legislativa. Nosso trabalho é ouvir as pessoas e tentar buscar soluções. Há um entendimento junto ao BRB (Banco de Brasília) para não prejudicar os artistas. E que o BRB, como [agência] fomentadora da economia da cidade, arcasse com essa despesa”, explica.

A deputada Arlete Sampaio (PT) foi uma das vozes em defesa da mostra na CLDF. E uma das que dialogaram, tanto em plenário quanto em particular com Prudente, em busca de alternativa para evitar o cancelamento. “Eu acho absurdo a Câmara se somar a essa linha de não contribuir com a cultura”, avalia.

Secretário de Cultura e Economia Criativa, Adão Cândido diz que a pasta vem buscando saídas desde o anúncio da CLDF, reunindo-se com patrocinadores privados. “É importante a manutenção (da mostra) porque ajuda os produtores locais a desenvolverem seus projetos. Espero que a parceria (com o BRB) seja duradoura”, informa.

Mesmo assim, a sensação da classe artística e dos realizadores da Mostra Brasília é de que algum estrago (considerável) já foi feito, deixando cenário de incertezas quanto ao futuro.

“Filme não é para botar embaixo da cama”

Nome histórico do cinema brasiliense, Vladimir Carvalho, 84, vê a mostra como espécie de “correção” na formatação do Festival de Brasília. “Deu fôlego a todos aqueles que precisavam mostrar seus filmes. Filme não é para botar embaixo da cama. A premiação é injeção de fôlego para que o movimento (cinematográfico) continue produtivo”, analisa.

Além das premiações na mostra principal, Carvalho tem, obviamente, longa história com o segmento local. Ganhou o Troféu Câmara duas vezes, por Barra 68 – Sem Perder a Ternura (2000) e O Engenho de Zé Lins (2006), e já integrou a comissão julgadora. Enquanto prepara seu novo filme, sobre o político comunista baiano Giocondo Dias (1913-1987), vê com consternação a situação da cultura brasileira em 2019.

“Nós estamos em compasso de espera. É absolutamente absurdo o que vem acontecendo em diversos planos. Quanto mais a gente se afirma no exterior, mais não existe compreensão por parte dos poderes. Cinema brasileiro é autônomo e autossustentável. Qualquer golpe ou restrição nas finanças interrompe fluxo que não é de hoje, mas vem desde o tempo da Embrafilme”, opina.

Nomes da nova geração audiovisual brasiliense também temem retrocesso que poderia ter efeito devastador para a comunidade cinematográfica. Maior vencedor da Mostra Brasília nos últimos anos, Fáuston da Silva, 39, lamenta “a pressão sobre a classe artística”. “Aumenta ainda mais a sensação de que o artista é inimigo do povo. Que a classe da cidade e do país tem se tornado cada vez mais uma subclasse e não contribui para a sociedade. É incoerente a cidade fazer investimento multimilionário em audiovisual e não ter janela de exibição”.

Silva foi bicampeão do Troféu Câmara em 2012 e 2013 com os curtas Meu Amigo Nietzsche e O Balãozinho Azul, tanto pelo júri oficial quanto popular. Em 2014, recebeu a honra do júri popular com Ácido Acético. O cineasta espera emplacar seu novo curta, A Terra em que Pisar, sobre ocupação urbana, na mostra em 2019.

Rafaela Camelo, 33, esteve em 2018 na Mostra Brasília com O Mistério da Carne. Com o trabalho de estreia, A Arte de Andar pelas Ruas de Brasília (2011), ficou em segundo lugar entre os melhores curtas do Troféu Câmara. Para ela, todo ano os cineastas travam “queda de braço” em defesa do evento.

Esse ano o cinema da cidade está explodindo. Teve representante brasiliense em todos os grandes festivais da temporada – todos mesmo, não acho um exagero essa totalização. Festival do Rio, Gramado, Cine PE, É Tudo Verdade, Mostra de Tiradentes… Muitos deles premiados. Se isso não indica que o cinema da cidade é forte, não sei nem o que dizer. A gente devia estar se reunindo com o comitê pra pensar em melhorias pra mostra, e não ficar o tempo inteiro com a corda no pescoço brigando para que ao menos ela aconteça.

Rafaela Camelo, cineasta

Desde a fundação, o Troféu Câmara tem um comissão interna que cuida da premiação da Mostra Brasília. Cleide Soares, concursada da CLDF, integra o comitê gestor desde 2016 e divide a função com outros quatro funcionários. Ela afirma que o edital de 2019 estava com orçamento assegurado e aprovação do jurídico.

Na hora da confirmação junto à Mesa Diretora da Casa, veio a surpresa. “A decisão de não premiar é inusitada”, comenta. “O festival também representa um momento de mercado, em que as pessoas trocam ideias, fazem pitching. Brasília não pode ficar de fora”.

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