Versão em 4K de Deus e o Diabo na Terra do Sol movimenta Cine Brasília
Restaurado por Lino Meireles com apoio da cineasta Paloma Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol foi exibido em 4K no Cine Brasília
atualizado
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O Dia do Cinema Nacional, comemorado nesta segunda-feira (19/6), foi reverenciado com uma sessão especial da cópia em 4k de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Obra máxima de Glauber Rocha e um dos mais importantes títulos do Cinema Novo, o filme foi restaurado sob o olhar atento da cineasta e pesquisadora Paloma Rocha, filha de Glauber, e do produtor Lino Meireles. Exibido pela primeira vez em sua versão remasterizada no Cine Brasília, o evento lotou a tradicional sala de projeção brasiliense.
Antes da exibição, uma breve conversa reuniu parte da equipe de restauro. Além dos responsáveis diretos pelo restauro, Paloma Rocha e Lino Meireles, contribuiu com o bate-papo a doutora em História Miriam Silvestre. “Vi em casa e moldou o meu pensamento, e estou aqui com a Paloma mostrando esse filme. Não adianta restaurar e engavetar, tem que mostrar para as pessoas”, celebrou o cineasta Lino Meireles durante o debate.
“A gente nunca imaginou a dimensão simbólica que esse projeto ia ter. Começamos a conversar em 2018, começamos a trabalhar em 2019, estávamos em um governo que não investia em cultura…. Ter concluído foi incrível. Paloma diz que Santo Glauber, ele que decide o tempo das coisas, e talvez tenha sido assim com esse filme também”, completa Meireles.
A versão remasterizada do filme estreou mundialmente em Cannes, na França, em 2022, 58 anos após a estreia do original na Mostra Competitiva do festival. Marco do chamado Cinema Novo — que se destacou pela sua crítica à desigualdade social —, ele foi o segundo longa de Glauber Rocha e misturou influências, como a literatura de cordel, o faroeste e o trabalho do cineasta Jean-Luc Godard.
“[Esse filme] parece, por vezes, atemporal, ele fala muito com as pessoas de hoje. É um filme que ano que vem completa 60 anos e poderia se passar hoje. Ele tem messianismo, disputa de terra, pobreza, busca por justiça, violência no campo. É assustadoramente brasileiro”
Lino Meireles
Paloma Rocha destaca ainda que conseguiu desenvolver esse projeto graças à avó paterna, Lúcia Rocha. Ela explica que foi a matriarca que reuniu documentos deixados por Glauber Rocha que facilitaram a restauração. “A obra do Glauber não é somente de filmes. Ele deixou uma vasta documentação que dá a dimensão do artista completo que ele foi”. Em sua fala, ela se emocionou ao falar do legado do pai, e aproveitou para destacar a importância da preservação da memória.
“A principal memória é aquela de quem assistiu ao filme”, disse. Ao fim, Paloma gritou: “Viva, Glauber, viva o cinema nacional e viva o Cine Brasília”.
Fomento ao cinema nacional
A primeira exibição do filme em Brasília faz parte da sessão especial que homenageia o Dia do Cinema Brasileiro, inspirada no curso O Cinema Brasileiro e Sua História, criado pela professora Miriam Silvestre. A proposta dela era oferecer um panorama sobre o assunto para os aficionados pela sétima arte.
“A gente buscou abranger da cronologia mais tradicional a temas específicos, como cinema e diversidade, cinema indígena, cinema negro, cinema LGBTQIA+ e cinema de Brasília, especificamente. E, uma vez que sou da Secretaria de Educação, também sobre como se faz a dobradinha entre cinema e educação”, detalha Miriam. Com a primeira turma encerrada, ela adianta que o curso deve ocorrer novamente e até abrir turmas em diferentes formatos.
Amante das produções nacionais, ela avalia a importância que a remasterização de obras clássicas tem para a cultura nacional. “Quem conhece um pouquinho, ao menos, de cinema brasileiro, já ouviu falar de Deus e o Diabo na Terra do Sol. E acho que todo e qualquer movimento de restauração de uma obra da nossa cinematografia é mais do que importante, ainda mais levando em conta a problemática da preservação.”
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, discursou antes da sessão. Com a palavra, a autoridade saudou o trabalho de Lino Meireles e de Paloma Rocha, responsáveis diretos pela restauração em 4K de Deus e o Diabo na Terra do Sol. A gestora da pasta também enfatizou a importância do cinema nacional.
Margareth Menezes aproveitou para comemorar o retorno de 144 obras do acervo cinematográfico brasileiro, que estavam desde 1979 em Roma, na Itália. Os filmes retornaram à Agência Nacional do Cinema (Ancine) nesta segunda (19/6), data em que se comemora os 125 anos do Cinema Brasileiro.
“Uma vitória da cultura neste dia especial! É muito simbólico que no ano que retomamos o ministério, que os investimentos no audiovisual voltaram, a gente consiga trazer de volta esse valioso patrimônio do cinema nacional. O retorno desse acervo é um reencontro do país com sua própria cultura, com sua memória e sua identidade. Reforça também a importância do trabalho de preservação e de difusão das obras para os estudiosos e os amantes do cinema, que será feito aqui pela Cinemateca Brasileira”, comemorou a ministra.
Um dos ícones do cinema brasileiro e contemporâneo de Glauber Rocha, o cineasta e documentarista Vladimir Carvalho comemora a restauração da obra do diretor. “Hoje é um dia virtuoso, porque a gente vai celebrar o Dia do Cinema Brasileiro com uma cópia extraordinariamente recuperada. É um feito, estou feliz. Conheci o Glauber, fomos amigos, e ele está, onde ele estiver, sentadinho da nuvem, dando os parabéns.”
Vladimir ressalta ainda que o cinema passa por muitas mudanças, principalmente com a chegada e o sucesso do serviço de streaming. Ele avalia que trabalhos como o feito por Lino Meireles e Paloma Rocha oferecem à nova geração a possibilidade de conhecer a história do cinema produzido no país. “O cinema brasileiro não é só esse momento, são momentos anteriores ao que está acontecendo agora”, reforça.
Outro nome que marcou presença na exibição foi Welder Rodrigues. O humorista, que é vizinho do Cine Brasília, foi ao evento para apreciar o trabalho de Glauber Rocha e comemorar o Dia do Cinema Brasileiro. “Estou curioso para ver essa restauração em 4K do filme. A gente preserva tão pouco a memória brasileira, que eu quero ver como essa restauração foi feita. A gente valoriza tão pouco a nossa cultura, então você ter um momento como este é incrível”, analisa Welder.