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Terror à brasileira: três novos filmes mostram força do gênero no país

Morto Não Fala, A Noite Amarela e O Clube dos Canibais trazem assombros genuinamente nacionais em outubro, mês do Halloween

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1 de 1 morto-nao-fala51 - Foto: Divulgação

Nem só de palhaço Pennywise (do hit It: Capítulo Dois) e boneca Annabelle vivem o cinema de terror contemporâneo. No Brasil, o gênero, sempre associado aos filmes pioneiros do Zé do Caixão, personagem icônico de José Mojica Marins, ganha assombros autenticamente nossos na produção atual, sobretudo alternativa e independente. Outubro, mês do Halloween, consagra o momento, com três longas estreando no espaço de uma semana: O Clube dos Canibais (03/10), do cearense Guto Parente, Morto Não Fala (10/10), do gaúcho Dennison Ramalho, e A Noite Amarela (10/10), do paraibano Ramon Porto Mota.

O jornalista e crítico de cinema mineiro Marcelo Miranda, autor de podcast especializado em horror, o Saco de Ossos, nos ajuda a localizar um possível início dessa tendência fantástica e sobrenatural em produções nacionais: quase uma década atrás, em filmes como Trabalhar Cansa (2011), de Juliana Rojas e Marco Dutra (dupla de As Boas Maneiras), e O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, atualmente em cartaz com Bacurau.

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Adolescentes na atmosfera enigmática de A Noite Amarela
Daniel de Oliveira e Fabiula Nascimento em Morto Não Fala
Estrela da série da Netflix 3%, Bianca Comparato também atua em Morto Não Fala
Rana Sui em A Noite Amarela
Ana Luiza Rios em Canibais: podridão da elite brasileira
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Ana Luiza Rios e Tavinho Teixeira: casal sanguinário de O Clube dos Canibais

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Adolescentes na atmosfera enigmática de A Noite Amarela

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Daniel de Oliveira e Fabiula Nascimento em Morto Não Fala

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Estrela da série da Netflix 3%, Bianca Comparato também atua em Morto Não Fala

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Rana Sui em A Noite Amarela

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Ana Luiza Rios em Canibais: podridão da elite brasileira

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Há uma reunião de fatores para a proliferação do terror nacional nos últimos anos: um tanto de cinefilia e outro bocado de vontade de transformar em narrativas os pesadelos de viver num país tão instável e virulento. “São feitos por uma geração que cresceu assistindo a filmes assim. Realizadores de forte experiência cinéfila que viram muito filme na TV e no videocassete entre final dos anos 70 e meados dos anos 90, e agora estão chegando aos meios de linguagem e produzindo suas próprias narrativas”, avalia Miranda.

Medos e enigmas de ser brasileiro hoje

De fato, cada história com seu pesadelo. Canibais, como já sugere o título, mostra o cotidiano carniceiro de um casal da elite nordestina que, entre outros afazeres, devora funcionários da mansão onde vivem. O clube, porém, vai bem além do seio familiar e reúne figuras da política e do empresariado. A Noite Amarela é o único filme não sangrento dos três, mas ainda assim angustiante. Segue o fim da adolescência de um grupo de amigos que passa horas tenebrosas numa casa de praia.

Morto Não Fala, com o star power de Daniel de Oliveira, Fabiula Nascimento, Marco Ricca e Bianca Comparato, acompanha um funcionário de necrotério (Oliveira) capaz de se comunicar com quem já se foi. Acaba despertando uma maldição que se nutre dos problemas da periferia de São Paulo e do descaso dos poderosos: violência, abandono, pobreza e o medo de não conseguir sobreviver em meio a tudo isso.

“O que realmente une os três filmes é o fato de serem filmes brasileiros de horror lançados num cenário catastrófico de incertezas sobre os rumos do país em absolutamente todos os setores (econômico, social, cultural, político)”, aponta Miranda.

Morto Não Fala: o horror dos excluídos

Conhecido entre os fãs de terror pelos curtas Amor Só de Mãe (2002) e Ninjas (2010) e pelo roteiro de Encarnação do Demônio (2008), longa que marcou o retorno de Zé do Caixão à tela grande, Ramalho vê no horror nacional uma preocupação que transcende o mero assombro: “Poucos desses filmes prestam-se meramente a entreter e dar uns sustos. Em sua maioria, trazem, em alguma medida, doses claras de comentário social”.

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Atmosfera de necrotério: o personagem Stênio (Oliveira) consegue conversar com os mortos
Morto Não Fala se passa na periferia de São Paulo
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O diretor Dennison Ramalho: primeiro longa após curtas marcantes

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Atmosfera de necrotério: o personagem Stênio (Oliveira) consegue conversar com os mortos

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Morto Não Fala se passa na periferia de São Paulo

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Não à toa, o gaúcho procurou exatamente isso em seu primeiro longa. “O melhor diferencial é contar histórias do Brasil”, aponta. E poucas coisas são tão nossas quanto o tal do “encosto”. “Cresci ouvindo gente de todas as classes sociais admitindo o medo da influência dos mortos sobre (ou contra) os vivos. Morto Não Fala trata desse medo, mas seria ele real? Ou sintoma de derrocada mental?”, explica.

O cineasta associou esse imaginário ao clima de necrotério como maneira de comentar a precariedade das instalações públicas. “Institutos Médicos Legais Brasil afora amargam uma situação de descaso literalmente macabra”, avalia. “Costumo ser muito crítico da religião e obscurantismo e ódio que ela promove. Mas no filme, outras mazelas deflagram a ação do sobrenatural: o sexismo, a violência urbana, principalmente”.

Também envolvido como roteirista na série e no filme Carcereiros, que estreia em 28 de novembro, Ramalho busca produtor para o novo longa: Cruz das Almas. “É um projeto bastante diferente do Morto Não Fala (que tem uma narrativa acessível a públicos mais jovens), pois é uma história escura e bastante extrema, pensada para um público mais adulto”, adianta.

O Clube dos Canibais: a podridão das elites

Prolífico, fazendo praticamente um longa por ano desde o primeiro, o colaborativo Estrada para Ythaca (2010), Guto Parente tem medo de sangue. Mas só do de verdade. Na tela, quanto mais, melhor. “O terror no cinema serve para colocar a gente em relação direta com os nossos medos e paranoias, para que a gente viva esses sentimentos em um local protegido, dentro de uma experiência artística, e com isso quem sabe aprender a lidar melhor com eles na experiência cotidiana. Vibrar com uma cabeça explodindo em um filme não tem nada a ver com sentir prazer em assistir vídeos de mortes reais no YouTube. Algo que, só pra constar, me recuso a ver e considero doentio”, diferencia.

Fã de gore, ele usa esse estilo consagrado em clássicos como O Massacre da Serra Elétrica (1974) e A Morte do Demônio (1981) como meio para comentar a podridão da elite brasileira. “Eu precisava me expressar quanto ao que sinto. Uma elite que alimenta a desigualdade social sem nenhuma dor na consciência e que tem se tornado cada vez mais descarada em seus gestos de exclusão, opressão e desprezo pelos pobres. Nem fingir humanidade eles fingem mais”, critica.

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Sanguinolência à beça: filme traz efeitos especiais diversos envolvendo mutilações e gore
O pôster de O Clube dos Canibais: sátira do Brasil da riqueza
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O diretor cearense Guto Parente: lentes voltadas para a elite brasileira em terror canibal

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Sanguinolência à beça: filme traz efeitos especiais diversos envolvendo mutilações e gore

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O pôster de O Clube dos Canibais: sátira do Brasil da riqueza

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Para ele, cinema representa também o lugar ideal para “se expurgar angústias e sofrimentos”. “Sai bem mais barato do que fazer terapia”, brinca. Após o terror psicológico e melancólico A Misteriosa Morte de Pérola (2014), rodado por ele e pela esposa, Ticiana Augusto Lima, na casa “cheia de fantasmas”, reforça Parente, onde moraram no interior da França, Canibais representa projeto bem mais ambicioso em termos de produção.

A quantidade generosa de sangue e mutilações exigiu efeitos especiais caprichados. Para tal, Parente teve na equipe Rodrigo Aragão, cineasta capixaba conhecido por seus filmes de zumbi, como Mangue Negro (2008), e o artista plástico Jorge Allen. Todo os efeitos foram concentrados em apenas uma semana de filmagem. Em resumo: foi sangue para tudo quanto é lado. “Um dia pedimos umas pizzas e o entregador saiu correndo quando viu um pedaço de perna ensanguentado na cozinha”, lembra o cearense.

A Noite Amarela: o medo do futuro

Talvez o mais enigmático dos três filmes, até por isso o longa de Ramon Porto Mota quase não tem sangue na tela. A Noite Amarela segue adolescentes numa casa de praia assombrados por algo que não sabemos muito bem o que é, mas que exerce uma presença atordoante: ecos no escuro, vozes sem rosto, caminhadas rumo ao nada.

“O onírico me parecia o principal caminho para levantar essas questões. É justo na matéria dos sonhos que a gente menos tem controle e consciência do que experimentamos. Estamos ali imersos nessa experiência que não conseguimos dar conta complemente, estando a mercê de tudo e nada, onde qualquer coisa pode acontecer”, define o diretor, cujo trabalho anterior foi um dos quatro episódios do terror social O Nó do Diabo (2018), filme que toca na ferida do racismo sistêmico e histórico no Brasil.

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Adolescência entre flashbacks dos últimos dias do colégio e cenas de tensão numa casa de praia
Pôster de A Noite Amarela: longa passou no Festival de Roterdã, na Holanda
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O cineasta Ramon Porto Mota: terror de verve onírica sobre assombros misteriosos

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Adolescência entre flashbacks dos últimos dias do colégio e cenas de tensão numa casa de praia

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Pôster de A Noite Amarela: longa passou no Festival de Roterdã, na Holanda

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O cinema e a literatura fantástica (de terror e ficção científica, em especial) foram a escola de Mota. “Nunca fiz curso ou universidade, eu vi filmes e li livros. Então posso te dizer que fazer cinema não existe sem essa cinéfila, é uma coisa só; e que eu não estaria aguentando ler essas noticias estapafúrdias todos os dias se não pudesse ligar a TV e ver uma facada (de boa qualidade, viu?), um fantasma ou demônio opressor”, analisa.

Mota quis fazer um filme sobre “coisas particulares, de como ser uma pessoa, de coisas pequenas da existência”. “Inocentemente, esqueci que estava no Brasil”, brinca. “Aí acredito que terminei fazendo um retrato muito doido sobre esse momento em que vivemos, em que um mal vindo de deus sabe onde e indo pra diabos sabe onde toma conta de tudo e todos sem que ninguém se dê conta de fato, deixando todo mundo no escuro, sem enxergar muita saída. Ou pra ser honesto sem enxergar nenhuma”.

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