“Tento traduzir potência da cultura indígena”, diz diretor de Ex-Pajé
Roteirista de filmes como Bingo, Elis e Como Nossos Pais assina documentário sobre líder Paiter Suruí afetado pela intolerância religiosa
atualizado
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O filme Ex-Pajé, documentário de Luiz Bolognesi que estreia nesta quinta (26/4) nos cinemas, retrata com delicadeza a perda das tradições indígenas por causa da intolerância religiosa. No longa, conhecemos Perpera, índio Paiter Suruí envolvido por afazeres comuns na fronteira entre Mato Grosso e Rondônia. Vai a uma agência da Caixa, ao mercado. Ele já foi um pajé. Hoje, usa roupa social e frequenta uma igreja evangélica. Não por vontade própria, mas por constrangimento.
“Depois que o pastor disse que pajé é coisa do diabo, só voltaram a falar comigo quando fui para a igreja”, lamenta Perpera a um confidente. Apesar de ser um documentário, Ex-Pajé não se constrói por meio de entrevistas, mas conversas. Um filme de não ficção observador e detalhista. A produção estreia nos cinemas após ganhar o prêmio da crítica no recente festival É Tudo Verdade. Em fevereiro, saiu da mostra Panorama, de Berlim, com troféu especial do júri.
Experiente roteirista de filmes como Bicho de Sete Cabeças (2001) e dos recentes Elis (2016), Como Nossos Pais (2017) e Bingo: O Rei das Manhãs (2017), o paulistano Bolognesi rodava um outro projeto quando conheceu a história do ex-pajé.
Durante a gravação de um dos episódios da série Juventude Conectada, exibida pelos canais Curta! e Futura, o diretor conheceu jovens Paiter Suruí que usam celulares, câmeras e redes sociais para denunciar atividades ilegais de madeireiros e, assim, chamar atenção de ONGs e autoridades. Bolognesi pediu para conhecer o pajé da tribo. Era Perpera, o ex-pajé.
Olhar contemplativo sobre a perda das tradições
“Resolvi fazer um filme sobre isso. Ficamos um mês na aldeia filmando com eles sem Wi-Fi e celular, no fim de 2016. Montamos ao longo de 2017”, detalha o diretor. “Sou, sobretudo, roteirista, mas não tinha um texto pronto, só ideias vagas. Para filmar civilização que vive aberta ao acaso, ao devir, não fazia sentido chegar com roteiro amarrado. Deveria ouvir o dia a dia e construir a dramaturgia in loco“, explica.
Além de acompanhar de perto a vida de Perpera e dos indígenas, Bolognesi e equipe também planejaram cenas com a tribo. “Às vezes, eles me contavam coisas que tinham acontecido e a gente encenava juntos”, diz o cineasta. “Contratamos um dos índios, formado em direito, em Porto Velho, para legendar as 30 horas de material filmado. Descobrimos o filme na ilha de montagem”, descreve.
Em um dos momentos mais pungentes de Ex-Pajé, Perpera conta que é assombrado por espíritos durante a noite. Por isso, sempre dorme com as luzes acesas. Quando uma indígena picada por uma cobra fica entre a vida e a morte no hospital, o líder religioso ousa desafiar o avanço dos evangélicos e resgatar tradições dos Paiter Suruí para ajudar a amiga.
É um filme que tenta traduzir a potência da cultura indígena. A gente construiu tudo no contato subjetivo com eles. Fomos permeáveis ao modo de eles verem o mundo. Usamos câmeras que não se movem, contemplativas. Eles são assim, não têm ansiedade, pressa. Espero que o documentário traga reflexão nesse âmbito da cinematografia indígena
Luiz Bolognesi, diretor de Ex-Pajé