Servidão convida a combate contra o trabalho escravo contemporâneo
O documentário dirigido por Renato Barbieri estreia nesta quinta-feira (25/1) e discute as diferentes formas de escravidão que existem ainda
atualizado
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Quem fez a roupa que você está vestido enquanto lê esse texto? A pergunta pode parecer simples, mas também pode revelar uma cadeia de trabalho análogo à escravidão, que atinge também mercados de tabaco, produção agrícola e até mesmo de vinhos. A realidade é mais do que comum no Brasil: em 2023, o país registrou cerca de 3,4 mil denúncias de trabalho escravo e análogo à escravidão.
E é para dar luz a esse lado sombrio da sociedade que o diretor Renato Barbieri produziu o longa-metragem Servidão. O documentário estreia nesta quinta-feira (25/1) nas salas de cinema de todo o Brasil e faz um convite à reflexão sobre o chamado trabalho escravo contemporâneo, com a mistura de entrevistas com pessoas que fazem trabalhos para acabar com isso e também gente que viveu na pele a exploração.
“Nós estamos falando de desperdício, de vidas que são desperdiçadas, que são jogadas no lixo. É meio metáfora e meio realidade isso. Quantos numa favela não poderiam ser artistas, cientistas, funcionários públicos, pessoas devotadas a música? E o Brasil desperdiça isso, desperdiça por causa do trabalho escravo”, avaliou Barbieri durante a pré-estreia do filme, no Cine Brasília, no último dia 15.
Na data, ele destacou ainda que essa é a principal mazela do país e é algo que interfere de forma direta em outros problemas nacionais:
“Se a gente acabar com o trabalho escravo no Brasil, nós vamos acabar com uma cesta de maldades que envolvem o meio ambiente, a educação, a miséria e a desigualdade. Então eu diria que combater o trabalho escravo é combater todos os males deste país. E isso só vai acontecer quando a sociedade brasileira, como um todo, assumir isso para si”.
Questão de economia
Outro nome que marcou presença na pré-estreia foi Leonardo Sakamoto. O jornalista é um dos entrevistados no documentário e aproveitou para levantar algumas questões importantes para a plateia, que também são encontradas, em outras palavras, no filme.
Um dos pontos defendidos por Sakamoto é que o consumo é um dos fatores que interfere de forma direta na existência desse tipo de trabalho. Entretanto, ele avalia que a mudança precisa partir de pessoas que possuem dinheiro suficiente para optar por produtos de origens corretas, que vão ter valores mais altos. “Mas quantas vezes as classes média e alta têm preguiça de fazer essa escolha?”, questionou.
Ele pontuou ainda que o trabalho escravo faz parte do processo econômico e não depende, simplesmente, de alguém querer ver um outro sofrer, mas sim para ganhar dinheiro.
“As pessoas usam o trabalho escravo em busca do lucro fácil, de recolonizar, de fazer dinheiro. E esse é o problema. Porque, no final do dia, o trabalho escravo está conectado com um sistema que faz com que as pessoas ganhem dinheiro. Não é uma questão de bondade ou maldade, é questão de economia. A pergunta é: estamos dispostos a deixar de ganhar dinheiro fácil para erradicar o trabalho escravo?”
Salas vazias?
O cinema nacional enfrentou dificuldades nos últimos anos, mas tem mostrado que conta com projetos que podem mudar esses rumos. A exemplo disso estão as produções Mamonas Assassinas – O Filme, cinebiografia do famoso grupo paulistano, e Minha Irmã e Eu, estrelado por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, que, somados, fizeram mais de R$ 30 milhões em bilheteria.
Mas longas como Servidão podem enfrentar problemas muito maiores que um público que está reaprendendo a ir aos cinemas. “Um documentário como esse não costuma encher salas de cinema”, afirma Jair Silva, representante da O2 Play, empresa responsável pela distribuição do filme no país.
Ao Metrópoles, ele ressalta que a sessão de pré-estreia, no Cine Brasília, é muito diferente do que se vê no dia a dia com produções como essa. “[Essa sessão cheia] é uma muito bonita, linda, mas não é a realidade do documentário no cinema brasileiro. Ele deve ficar em cartaz por duas semanas, ou quatro. Mas todo dia é uma luta, toda semana é uma luta [para manter assim]”.