Produtor musical enfrenta câncer avançado e compõe trilha de série
A história de superação do multi-instrumentista Patrick de Jongh daria um filme, com enredo dramático, mas repleto de força e esperança
atualizado
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Quando o multi-instrumentista holândes Patrick de Jongh recebeu o convite para criar a trilha sonora da série Colônia, disponível no Canal Brasil e Globoplay, não imaginou que sua vida tomaria contornos tão dramáticos quanto os dos personagens da ficção. Surpreendido por um grave acidente de carro, seguido da descoberta de um câncer com metástase na tireoide, o produtor musical se manteve inabalável e não saiu do estúdio até compor todos os sons da obra de André Ristum (O Outro Lado do Paraíso).
A trama conta a história do hospício Hospital Colônia de Barbacena — que funcionou por quase um século e onde morreram mais de 60 mil pessoas—, através de Elisa (Andréia Horta), vítima de uma internação injustificada. Em cada acorde, Patrick se valeu da própria angústia para entender as dores dos pacientes de Colônia.
“Minha maneira de compor é muito visceral. Eu preciso sentir o que os personagens sentem, seja medo, raiva, alegria… passar pelo o que eu passei, com certeza, me aproximou deles”, afirma o músico.
Acidente
Era madrugada do dia 18 de setembro de 2020, quando Patrick de Jongh decidiu sair de São Paulo a Brasília, depois de um mês na capital paulista trabalhando no longa Por que Você Não Chora?, de Cibele Amaral. O filme havia sido selecionado para o festival de Gramado, e o produtor queria assistir a estreia ao lado da família, então antecipou a viagem de volta. “Por conta da pandemia, preferi vir de carro para manter distanciamento social”, lembra.
Entre as cidades goianas de Catalão e Cristalina, trecho de pista dupla, sob o forte sol das 14h, Jongh se deparou com dois caminhões que seguiam juntos na faixa da direita. Ao se aproximar dos veículos de carga, na faixa esquerda, um deles decidiu ultrapassar e não viu o carro do músico pelo retrovisor. “Ele jogou o caminhão de uma vez e mesmo eu freando e jogando meu carro para o canteiro, não consegui evitar a colisão, pois ele também freou”, conta.
Dificuldades
Na batida, o automóvel onde o instrumentista estava capotou por quatro vezes, batendo frente e traseira, a cada novo giro no ar. Foram 120 metros, até finalmente o carro parar. “Nem eu, nem as pessoas que assistiram ao acidente, acreditam que eu sobrevivi”, confessa. Mas ele não saiu ileso. Quebrou os dois ombros, o joelho direito e o tornozelo esquerdo. Teve compressão das vértebras cervicais, torácicas e lombares, além de vários cortes e machucados pelo corpo, que o impediam de tocar os instrumentos musicais.
“Naquele momento, ainda me faltava compor a trilha sonora de seis dos 10 episódios da série e a qualidade de vida que eu teria a longo prazo ainda permanecia como um grande mistério”. Contudo, parar não era uma opção para Patrick de Jongh, que preferiu enfrentar as dores e limitações geradas pela tragédia. “Precisava encontrar posições que fossem mais confortáveis. Mas nenhuma ajudava, e, como nos braços eu estava com grandes limitações de força e de movimento, as sessões de gravação eram muito dolorosas e eu não estava gostando do resultado”, recorda.
A solução foi encontrar remédios mais fortes e “com um ‘zilhão’ de efeitos colaterais”. Entre eles, sonolência e muito enjoo, que também atrapalhavam a performance do músico no estúdio. “Demorou um tempo até meu corpo acostumar, mas isso foi a custo de eu diminuir a dosagem e continuar sentido boa parte das dores para gravar. Mas eu segui e consegui retornar a ter bons resultados nas gravações, mesmo com todas as restrições. E os episódios foram sendo enviados e aprovados”, comemora.
E agora… um câncer
Quando Patrick pensou já ter superado o pior, um novo baque. Alguns dos exames feitos por causa do acidente acusaram nódulos no pulmão, e, ao realizar novos testes, o diagnóstico de câncer de tireoide se confirmou. Ele gravava a trilha sonoro do oitavo episódio de Colônia, quando recebeu o resultado de uma biópsia. “Foi horrível. Era fim de tarde e eu botei o violoncelo de lado e chorei por uns 20 minutos. Naquele dia não consegui gravar mais nada. Liguei para o André [Ristum], expliquei a situação e ele me deu todo o apoio”, conta.
Naquela altura, a série já tinha data de estreia confirmada e Jongh estava determinado a concluir o trabalho. “Faltavam apenas três episódios e eu tinha a data da cirurgia como prazo para terminar”, explica. Apesar de arriscado, o músico preferiu dar início ao tratamento para o câncer só depois de entregar a última orquestração.
“Apesar do diagnóstico de metástase, o câncer de tiroide é mais lento. Após uma conversa com os médicos, chegamos a uma data em que eu poderia terminar a série, e que ao mesmo tempo não agravaria muito o meu quadro, e assim seguimos. Operei no dia 8 de junho e a série estreou no dia 25”, relata.
Colônia from canalbrasil on Vimeo.
Vitória
Patrick ainda está em tratamento e com esperança de vencer mais esse desafio. Ele foi submetido a uma tireoidectomia total, com raspagem radical de todos os gânglios do lado direito, que estavam com metástase. Agora aguarda pela próxima etapa, fase na qual ele será tratado com iodo radioativo para eliminar as células cancerígenas que ainda restam no corpo.
De acordo com o músico, muitas pessoas o criticam por expor sua condição de saúde e o duro processo para compor a trilha sonora de Colônia. Mas ele deseja ser inspiração. “Conheci no meu processo um jovem chamado Pedro Rehn. Ele também teve câncer e foi campão brasileiro de motocross. E ele ter compartilhado a história de superação dele comigo, me deu forças. Senti que seria bacana mostrar que, quando você tem propósito e fé, não tem acidente nem câncer que te parem”, conclui, vitorioso.
Trajetória
Ao longo de sua trajetória profissional, o artista já compôs trilhas sonoras para mais de 50 projetos, entre longas metragens e séries de TV. Ele também atuou como designer de som da 3ª temporada da aclamada série norte-americana do canal USA, Queen of South (2018), bem como de Felizes para Sempre (2015), dirigida por Fernando Meirelles.
Sua carreira como compositor e produtor musical nas telonas é marcada por seus trabalhos em longas de prestígio, como O Traidor, que fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes 2019. Como compositor da Trilha Sonora Adicional do longa, de Jongh trabalhou ao lado do ganhador do Oscar pela emblemática trilha do clássico A Vida é Bela, Nicola Piovani. Indo mais além, o artista também assina a trilha de abertura de Resident Evil, ao lado de Marco Beltrami e Marilyn Manson.