Prisão nos Andes: filme expõe vida de luxo de torturadores no Chile
Diretor do filme Prisão nos Andes, Felipe Carmona afirma que feridas da tortura e repressão de Pinochet ainda machucam os chilenos
atualizado
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Durante os anos de chumbo no Chile, sob o regime brutal de Augusto Pinochet (1973-1990), repressão, torturas e execuções tornaram-se parte do cotidiano da população. Inspirado por esse capítulo sombrio, o diretor Felipe Carmona leva às telonas Prisão nos Andes, que estreou nos cinemas na última quinta-feira (19/9), explorando os ecos desse período sombrio em uma narrativa intensa e política
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Em entrevista ao Metrópoles, o cineasta destacou as semelhanças entre o Golpe Militar de 1964, no Brasil, e a ditadura chilena, apontando que ambos os regimes receberam orientação de especialistas norte-americanos em técnicas de tortura. Carmona também revelou que o método brasileiro do pau de arara foi utilizado no Chile e é retratado em seu filme.
“Isso mostra a estreita relação do desenho macabro das ditaduras que estão completamente ligadas ao passado e mostra como as duas coisas estão vinculadas”, afirmou Felipe Carmona.
A produção de Carmona, de acordo com a sinopse oficial, retrata “os cinco torturadores mais cruéis da ditadura de Pinochet, que cumprem penas em uma luxuosa prisão aos pés da cordilheira dos Andes. O local possui piscina, jardins e aviários, e os presos são vigiados por guardas que mais parecem empregados”.
A escolha do elenco e o processo de filmagem se tornaram um ponto crucial na construção de uma narrativa sensível e impactante. Carmona escalou atores que sofreram a repressão na pele. Refletindo sobre essa escolha, o diretor reconheceu que o processo foi delicado e desafiador, principalmente por não saber como cada um reagiria à sua abordagem. No entanto, ele se surpreendeu com a resposta positiva do grupo.
“Expliquei que nosso objetivo era retratar a humanidade desses personagens, e eles foram extremamente compreensivos e profissionais. Mais do que isso, pediram que eu aprofundasse ainda mais essa humanidade, para evitar qualquer estereótipo. Para muitos, interpretar esses papéis foi uma espécie de terapia, uma forma de vingança. Sou eternamente grato ao elenco”, concluiu.
Filmes sobre a ditadura
No Brasil, onde a ditadura militar perdurou por pelo menos duas décadas, entre 1964 e 1985, o regime segue sendo inspiração para produções como como Zé, que resgata a história de um líder estudantil que foi assassinado no período, e Ainda Estou Aqui, ambos de 2024.
O segundo, dirigido por Walter Salles, deve ser aposta do cinema nacional no Oscar de Melhor Filme Internacional e tem Fernanda Torres no elenco, cotada pela imprensa internacional para concorrer à estatueta de Melhor Atriz.
Questionado sobre os motivos pelos quais a ditadura segue influenciando fortemente o audiovisual, Felipe Carmona analisa que ainda há um saldo pendente com as vítimas da época.
No Chile, por exemplo, o diretor acredita que ainda há uma estrutura socioeconômica e cultural baseada em uma espécie de “constituição da ditadura”, que segue vigente. “É um trauma, uma ferida que não cicatriza e que, enquanto isso não for resolvido, seguramente continuaremos a recorrer a essa história”, declarou.
Como chileno, Felipe Carmona explicou que essa situação ainda “dói muito” por conta das “aberrações que foram cometidas” e que os “assassinos, torturadores, violadores merecem todos os séculos de prisão que houver”.
“Não há nenhuma justificativa para a ruptura democrática e todas as violações que foram cometidas posteriormente. Em nenhum caso, em nenhum país, a ruptura democrática, do lado que seja, independente da ideologia ou postura política, pode acontecer. Para mim, a ditadura de Pinochet e de seus cúmplices foi terrível e continua sendo terrível de alguma forma, com suas consequências em meu país”, pontuou.