Onde Está Você, João Gilberto?: diretor diz que uniu real e ficcional
Especialista em música brasileira, franco-suíço Georges Gachot lança documentário no qual tenta se encontrar com o pai da bossa nova
atualizado
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Recém-lançado nos cinemas, o documentário Onde Está Você, João Gilberto? mostra seu diretor, o franco-suíço Georges Gachot, obcecado em tentar encontrar o pai da bossa nova. O filme foi rodado antes das recentes notícias sobre a interdição do artista pela família ou sua saúde supostamente frágil. Mesmo assim, o longa traça perfil de um artista ausente, mas não invisível.
Em entrevista ao Metrópoles, o cineasta fala sobre como foi adaptar para cinema a obra de outro fã fervoroso do músico: o jornalista e escritor alemão Marc Fischer, que veio ao Brasil para tentar conhecer João. Após a missão frustrada, voltou para a Europa e escreveu Ho-ba-la-lá: À Procura de João Gilberto. Morreu de aparente suicídio antes de o livro ser lançado.
Gachot, de 55 anos, nasceu em Paris e tem toda uma carreira dedicada a perfis musicais, sobretudo de nomes brasileiros. Entre outros filmes, assinou Maria Bethânia: Música é Perfume (2005), Nana Caymmi em Rio Sonata (2010) e O Samba (2014), que usa Martinho da Vila como guia. Desta vez, porém, ele espelha a narrativa detetivesca de Fischer, tentando registrar um pouco que seja do gênio mais discreto da cultura nacional.
O que mais te atraiu no livro de Marc Fischer?
Quando descobri e li esse livro, fiz o mesmo caminho que Fischer, tentando encontrar João. Na verdade, já passei muitos anos aqui (no Brasil). Ele (Fischer), só uma vez, durante seis semanas. Eu tentei encontrar João durante dez anos. Gostei muito de como ele escreveu o livro, uma história de detetive.
E a forma que usou, com Sherlock (Fischer) e Watson (Raquel Balassiano, tradutora e contato do alemão no Brasil). Foi início de uma boa história para fazer o filme. Mas não o suficiente. Descobri depois que ele fez muitas fotografias, vídeos, gravações. Esses elementos todos me deram a impressão de que eu poderia fazer um filme. E me incluir dentro da história.
O filme tenta dosar um pouco de mistério e comédia. Como foi associar esses elementos do cinema de ficção ao documentário?
Acho que ver o documentário é um pouco como ler o livro, que também tem às vezes elementos ficcionais. Marc inventa as coisas, às vezes. Comecei a contar a história do Marc e colocar nós dois em contato, como se estivéssemos andando juntos. Acho que com isso consegui me aproximar mais do Fischer. Por isso usei um pouco esse jeito de ficção.
Quando você entra no mundo de João Gilberto, há muito mistério. Você não sabe exatamente se ele está lá. Então, às vezes, eu não sabia mais se era verdade ou não. Foi o caminho que trouxe esse lado da ficção.
Como foi conhecer João conversando com outras pessoas, como Miúcha (ex do artista) e João Donato?
Escolhi só encontrar pessoas que também se encontraram com Marc Fischer. Não tentei falar com Gilberto Gil ou Caetano Veloso para tentar explicar a importância de João Gilberto. No roteiro, estamos todos juntos, temos uma coisa em comum, não intelectual, mas emocional. Nós todos encontramos Fischer e isso deu um pouco de nostalgia ao filme. Isso tem uma força dentro do filme.
Depois, começo a fazer o meu caminho. Vou encontrar o cabeleireiro de João que ele não encontrou. Fischer também encontrou o manager de João (Otávio Terceiro). Talvez não tenha dado muita confiança para ele. Por isso, acho que a cena final entre nós, Otávio e eu, ficou muito especial.
Aquele encontro na última cena realmente aconteceu? (Gachot e Otávio vão ao Copacabana Palace encontrar João. O agente entra no quarto de hotel, enquanto o cineasta fica do outro lado da porta, escutando o músico tocar e cantar Ho-ba-la-lá).
Todas as pessoas me perguntam isso (risos). Na verdade, nunca pensei em entrevistar o João Gilberto. A intenção era que ele tocasse Ho-ba-la-lá para o Marc Fischer – ou para mim e todas as pessoas que tentam encontrá-lo. Essa cena final é muito simbólica. É um presente que dei para Fischer. Nunca achei que iria acontecer. Mas o Otávio me ajudou muito. Era o João atrás da porta, sem dúvida.