O Auto da Compadecida 2 encerra ano de retomada com chave de ouro
O Auto da Compadecida retorna após 25 anos com apelo nostálgico. Mais que uma expansão da história, é uma celebração do cinema brasileiro
atualizado
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É difícil reencontrar bons e velhos amigos e não deixar se levar pela emoção e nostalgia. É exatamente essa sensação que permeia O Auto da Compadecida 2, sequência do clássico dirigido por Guel Arraes, que estreia nos cinemas nesta quarta-feira (25/12). A produção retorna ao sertão de Taperoá, no Cariri da Paraíba, 25 anos após a primeira aventura, trazendo de volta João Grilo e Chicó, agora mais maduros, mas com o mesmo carisma que os eternizou no imaginário do público brasileiro.
A nostalgia é a alma do filme — e, talvez, seu maior trunfo. A impressão que fica é a de que até os atores, sobretudo Selton Melo e Matheus Nachtergaele, em suas atuações visivelmente apaixonadas, não conseguem conter a comoção ao reviver personagens tão icônicos. O retorno à Taperoá é um convite a revisitar também um Brasil que ainda pulsa através das narrativas de Ariano Suassuna, misturando a religiosidade popular, o humor afiado e a crítica social.
Na trama, João Grilo retorna ao sertão após anos distante, com a perspicácia e a malandragem de sempre, mas agora carregando também um senso de responsabilidade social mais evidente. Seu reencontro com Chicó e outros personagens queridos acontece em meio a uma cidade dividida por uma disputa de poder entre dois figurões: o coronel Ernani e o comerciante Arlino, dono da única rádio local.
João Grilo ganha ainda mais camadas que dialogam com o Brasil atual, sem perder o charme e a esperteza que fizeram dele um dos personagens mais amados do cinema nacional. No entanto, o mesmo não pode ser dito do roteiro como um todo.
Embora o longa brilhe ao resgatar a fusão entre literatura de cordel, estética barroca e comédia popular, ele tropeça ao se repetir narrativamente.
O conflito central, os dilemas e até algumas soluções soam familiares demais, como se o filme estivesse constantemente preso à sombra do original. A compreensão dessa escolha é inevitável — afinal, dar continuidade a uma obra tão simbólica não é tarefa fácil —, mas ela pode frustrar aqueles que esperavam um olhar mais inovador sobre o universo criado por Suassuna.
Os novos personagens conferem certo frescor à trama, e as adições no elenco — Taís Araújo, Eduardo Sterblitch, Humberto Martins e Fabiúla Nascimento — funcionam bem. O problema está mesmo na estrutura narrativa, que acaba enfraquecendo o humor característico do primeiro filme ao repetir fórmulas já conhecidas.
Apesar dessas ressalvas, O Auto da Compadecida 2 se sustenta pelo talento de seu elenco e pela força emocional de seu legado. É, acima de tudo, uma celebração do cinema nacional, em um ano tão significativo para a indústria brasileira. O longa chega às telas não apenas como uma continuação, mas como um presente de Natal para aqueles que ainda acreditam na potência das nossas histórias e na grandiosidade da nossa capacidade de contá-las.
No final das contas, O Auto da Compadecida 2 é como um velho amigo que voltamos a encontrar: pode não surpreender, mas traz consigo o abraço caloroso de algo que já amamos. E, às vezes, isso é mais do que suficiente.
O Auto da Compadecida 2 tem direção de Guel Arraes e Flávia Lacerda, roteiro de Guel com Jorge Furtado, João Falcão e Adriana Falcão e estreia nesta quarta-feira de Natal, 25 de dezembro.