Netflix: documentário resgata trajetória de Victor Jara
Obra do serviço de streaming fala sobre o menestrel, um dos mártires da ditadura de Pinochet
atualizado
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Sorriso largo cativante e de aura magnética, o chileno Victor Jara foi um dos símbolos da luta contra a ditadura do general Augusto Pinochet. Era uma espécie assim de Geraldo Vandré dos Andes, só que muito mais radical e atuante politicamente. Pelo fervor com que cantava o sofrimento dos trabalhadores e camponeses, lembrava o bardo americano Woody Guthrie, ídolo de Bob Dylan.
Amigo de Salvador Allende, o artista foi brutalmente assassinado pelo regime chileno em setembro de 1973. Essa história agora é contada no documentário Massacre no Estádio, do Netflix, dentro da série ReMastered, que já falou sobre as ambíguas relações entre o cantor Johnny Cash e o ex-presidente Richard Nixon, da treta de Bob Marley com o submundo da droga na Jamaica e dos assassinatos dos ídolos negros Sam Cooke e Jam Master Jay.
“É um dos maiores assassinatos do século 20 não solucionados. É muito importante sabermos os detalhes do que aconteceu”, diz Bono Vox, em depoimento ao projeto. “A próxima canção é para Victor Jara. Ele lutou contra a injustiça e pagou o preço mais alto”, reforçou o líder do U2, durante show em Santiago, no ano de 2017.
Canção inacabada
Com pouco mais de uma hora, o título do filme é uma referência ao estádio onde milhares de pessoas, entre elas o cantor, foram detidas após o golpe, e faz alusão à derradeira canção escrita pelo artista ainda no cárcere, rascunhada num pequeno papel entre lágrimas, sangue e dor. Mais tarde, em 1983, sua esposa usou o episódio para dar título à biografia Canção Inacabada, onde relata sua vida ao lado do artista e os anos vividos no Chile.
“Esse foi o dia em que minha primeira vida acabou”, conta hoje a nonagenária Joan Jara, recordando o dia no qual identificou o corpo do marido cravejado por 44 tiros de metralhadoras e as duas mãos esmagadas. “A partir da lembrança do corpo do Victor no necrotério, consegui achar uma voz. Uma voz para acusar, para prestar testemunho…”, confessa.
Com forte tom investigativo, Massacre no Estádio, dirigido pelo jovem Bent-Jorgen Perlmutt, fala, entre outras coisas, como as canções políticas e humanistas de Victor Jara incomodavam os militares que planejavam tomar o poder no Chile. Ele tinha plena consciência da realidade social não apenas de seu país, mas de toda a América Latina, e queria transmitir esse drama para toda a juventude no seu estilo de menestrel das massas.
“Uma canção de Victor Jara era mais perigosa do que 100 metralhadoras. Era um artista que tinha uma ligação espiritual com o povo”, atesta um dos depoentes do pungente documentário. “Basta de músicas que não dizem nada. Que nos divertem por um momento e nos deixam vazios. Começamos a criar um novo tipo de canção”, discursava nas apresentações aos camponeses, trabalhadores e burgueses.
Massacre no Estádio traz também os bastidores da incansável luta da família, ao longo de mais de 40 anos depois de sua morte, em busca de justiça. Mas o desfecho desse périplo você terá que conferir ao ver o filme que mantém um diálogo visceral com o drama uruguaio A Noite de 12 Anos, de Álvaro Brechner, sobre outra brutal ditadura latino-americana, a partir da trajetória de ex-presidente Pepe Mujica e seus companheiros de ideais e armas.