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Motel Destino, de Karim Aïnouz, ferve a tela no frio de Gramado

Noir tropical que abre o Festival de Gramado, nessa sexta (9/8), une suor, sexo e crime no litoral cearense

atualizado

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Motel Destino
1 de 1 Motel Destino - Foto: Divulgação

Quando o gênero noir despontou no cinema de Hollywood na década de 1940, os temas sexuais e violentos que rondavam os personagens precisavam ser atenuados, um requerimento dos costumes da época e de uma censura comercial incipiente. Hoje em dia, isso serve como um tipo de vantagem para os exemplos mais recentes de um gênero cheio de clássicos.

Podendo ultrapassar os limites, os noirs atuais mantêm temas e tramas clássicos enquanto gozam de uma estética e intimidade sem limites para explorar os destinos de cada personagem. É o caso de vários destaques        pós-1980, como Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan, e Ligadas Pelo Desejo, das Irmãs Wachowski. Com Motel Destino, Karim Aïnouz tem uma contribuição tropical para o canon.

A trama do filme que abriu o Festival de Gramado deste ano é típica: Heraldo (Iago Xavier) está enrascado, tentando fugir dos capangas de Bambina (Fabíola Líper), chefe do tráfico local. Ele se refugia no Motel Destino que dá nome ao longa, um estabelecimento decadente, porém bem frequentado, a julgar pelos constantes gemidos de prazer que ecoam pelos corredores. Dayana (Nataly Rocha), dona do motel, acolhe Heraldo já de cara. O problema é que o sócio e coadministrador do local é seu marido, Elias (Fábio Assunção), sujeito dominador e abusivo. Assim, os dados estão lançados, as cartas do baralho marcadas e não é spoiler dizer que, em pouco tempo, “vamos matar ele?” ecoa no telão.

Pois se a trama é clássica, Motel Destino tem um trunfo na proposta estética. O que poderia ser um filme com a qualidade de imagem bem afiada, foi rodado em super 16 mm pela fotógrafa francesa Hélène Louvart. A película, raridade hoje em dia, contribui para que tudo pareça encardido e pulsante.

A direção de arte enfatiza cores saturadas e elétricas, fazendo o interior do motel parecer um tubo de neon. Nas externas, o sol nordestino oprime com seu clarão. Se Karim Aïnouz é um diretor que privilegia a textura nos filmes, imagine o que ele traz para algo ambientado quase que inteiramente dentro de um motel.

A metáfora central, claro, é o destino. Heraldo, Dayana e Elias são personagens com vidas confinadas e oprimidas: a vida criminosa de Heraldo, que sonhava em mudar para São Paulo e abrir uma oficina; a submissão forçada de Dayana, que trabalha com as tarefas mais domésticas do motel e tolera o marido abusivo; o ego de Elias, que trata os outros como se fosse rei, embora seja apenas o dono de um motel praiano. O calor oprime os personagens, assim como a maresia, mencionada mais de uma vez, que enferruja o ambiente.

O mais interessante é o uso duplo do sexo. Ao mesmo tempo em que os gemidos vindos dos quartos, presentes em todos os momentos de trabalho, parecem tornar a existência ali intolerável, é nele que Heraldo e Dayana buscam prazer e senso de liberdade, tentando tomar controle deles mesmos e fugir do destino. O roteiro habilmente mantém Elias dentro do triângulo, causando dúvidas no espectador quanto a um possível interesse em Heraldo.

Todo cinéfilo é, no fundo, voyeur, ao enxergar de perto momentos íntimos de personagens. No Motel Destino, Elias espia seus clientes pela cabine de atendimento aos quartos, e também os funcionários, nas câmeras de segurança.

Nós, como espectadores, estamos ainda acima de todos. Só que, pela primeira vez, Aïnouz mostra interesse em retratar a interioridade de seus personagens em suas imagens, com pequenas sequências assombradoras e imagens típicas de filmes de terror. É uma inovação estética em sua filmografia, e bem interessante.

O desfecho de Heraldo, Dayana e Elias tem um detalhe que servirá para dividir os espectadores. Mas aí é do destino de cada um.

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