“Melhor momento desde Cinema Novo”, diz diretor de Azougue Nazaré
Produtor de Kleber Mendonça Filho (Aquarius, Bacurau) e Gabriel Mascaro (Boi Neon), Tiago Melo explora histórias sobre o maracatu rural
atualizado
Compartilhar notícia
O cinema pernambucano não descansa. Enquanto o filme Bacurau, sucesso de crítica e público, com mais de 700 mil espectadores, começa a sair de cartaz, entra outra atração do estado nos cinemas do Brasil: Azougue Nazaré, longa de estreia de Tiago Melo, conhecido no meio audiovisual como produtor.
Após trabalhar com Kleber Mendonça Filho (Aquarius, Bacurau) e Gabriel Mascaro (Boi Neon), o recifense, de 35 anos, leva para o seu primeiro trabalho solo de fôlego um debate místico ambientado em Nazaré da Mata, município de Pernambuco.
Entre manifestações do maracatu rural e plantações de cana de açúcar, a trama acompanha o casal Catita e Darlene. Ele esconde o quanto pode seu apreço pelo maracatu. Ela é fiel seguidora do pastor neopentecostal Barachinha, ex-mestre de maracatu que se converteu à religião evangélica. Num canavial qualquer, um pai de santo faz ritual com cinco caboclos de lança, figuras folclóricas de Pernambuco. Adquirem poderes e somem. Logo depois, acontecimentos misteriosos intrigam os moradores de Nazaré.
Exibido e premiado em dezenas de festivais no Brasil, como o do Rio (prêmio especial do júri, melhor ator, para Valmir do Côco, e montagem), e lá fora, a exemplo de Roterdã (como melhor filme de estreia), Azougue é mais um sucesso do audiovisual nacional que desafia o estado de coisas atual, em que o financiamento público de cinema virou alvo do governo do presidente Jair Bolsonaro.
De qualquer forma, Melo vê motivo para comemorar. “O sentimento de ver o filme estrear é de muita felicidade”, conta. “Acho que a gente está no melhor momento do cinema brasileiro em muitos anos, desde o Cinema Novo. O Brasil nunca produziu tanto e com tanto reconhecimento. E vivemos esse desmonte da cultura no Brasil”, compara.
O pernambucano vê em Bacurau, dos conterrâneos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, como “grande exemplo de cinema que o Brasil gosta de ver”. Em Azougue, Melo tenta trafegar por diversos gêneros, com ênfase na fantasia, na comédia e em passagens musicais. “Acaba que todos esses gêneros foram dados a mim pelo próprio maracatu. Não busquei nada. Sempre chegou alguma coisa”, aponta.
“O filme vem de histórias reais do maracatu, do passado. Depois que o caboclo bebe o azougue (mistura de cachaça, limão e pólvora, entre outros ingredientes), há relatos de que eles ganham superpoderes, conseguem se teletransportar. A parte musical costura o filme inteiro. E o humor é muito presente. É como as pessoas vivem, mesmo com as dificuldades. A arma do maracatu é a felicidade, a alegria”.
Melo acredita que a experiência como produtor forneceu bagagem fundamental para assinar o primeiro longa. Ele vê, por sinal, que essa função costuma ser tratada de maneira enviesada, como algo “burocrático”. “Acho o contrário. Sempre estive muito próximo do diretor e do roteiro, pensando em ideias, soluções narrativas que colaborassem para o processo artístico. Trabalhei com diretores e diretoras de diversas gerações, e isso foi muito rico. Foi uma base para poder estar mais seguro ao fazer Azougue”, analisa.
No próximo filme, Yellow Cake (“bolo amarelo”, em tradução livre), Melo deve continuar explorando o imaginário nordestino. “É um sci-fi no sertão da Paraíba”, avisa. Se Azougue foi rodado em Nazaré da Mata, cidade de sua mãe, Yellow deve funcionar como desdobramento do curta Urânio Picuí, cujo título carrega a cidade do pai.
“Há essa história de que o lugar tinha reservas minerais e radioativas estratégicas. Que americanos chegaram lá no passado para extrair materiais para o projeto Manhattan, que deu origem às bombas de Hiroshima e Nagasaki. Costumo dizer que, curiosamente, vira o maracatu atômico, de fato”, brinca o cineasta.