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Longa exibido quinta (17), “Fome” desconstrói a estética da pobreza

A segunda sessão competitiva ainda trouxe os curtas “Tarântula” e “Rapsódia para o Homem Negro”

atualizado

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Confira as críticas dos filmes exibidos na quinta (17/9), segunda sessão da mostra competitiva do 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A competição segue até segunda (21/9) e os vencedores serão divulgados na terça (229). Acompanhe flashes das noites do evento em nosso site, a partir das 20h30.

“Fome” (SP, 90min), de Cristiano Burlan
Rodados em preto e branco, planos longos enquadram um velho homem a desbravar as ruas do centro de São Paulo. Ele é Jean-Claude Bernardet, cada vez menos teórico e mais ator. Aqui, o belga radicado no Brasil se entrega a um personagem baseado no improviso e inscrito numa espécie de residência artística urbana, lá fora, sob sol e lua, com fome e frio.

Esse sujeito faz malabarismos rudimentares e pede uns trocados no semáforo. A cada negativa, critica os burgueses que respiram o ar-condicionado em seus veículos. Em outro momento, Jean-Claude é abordado por um ex-aluno, Francis Vogner, também acadêmico de cinema. O velho homem parece ter largado a universidade para abraçar a liberdade de uma vida sem laços ou compromissos, em que basta o caminhar.

Com apenas R$ 15 mil de orçamento, Burlan cria uma espécie de tratado crítico sobre a estética da miséria por meio de um teórico que é justamente um crítico dessa estetização. O diretor usa a personagem de uma estudante universitária para reforçar essa problematização. Ela, a mando do professor, vai às ruas com um gravador para entrevistar alguns andarilhos — incluindo Jean-Claude.

Ao voltar para a sala de aula, vê-se angustiada ao notar que a tal compaixão pode ser um tanto cruel e egoísta. Essas pessoas livres são interrompidas em suas jornadas sem rumo para uma conversa. Elas se abrem, contam suas angústias e histórias. Depois, são excluídas do processo, nada é feito por elas. A não ser um texto que deverá ganhar prestígio pela “sensibilidade” de quem o escreveu.

Jean-Claude e Burlan remexem a hipocrisia que também faz parte de certo cinema – e jornalismo, por que não – brasileiro, tão interessado na pobreza para somente registrá-la, embalá-la e por meio dela afagar os corações dos bons burgueses.

“Fome” destila um poderoso discurso anti-“Estamira” e anti-Sebastião Salgado. Pois nada é mais pungente (e propositalmente irônico) que um intelectual europeu filmado em preto e branco nas ruas da maior metrópole brasileira.

Avaliação: Bom

Curtas da noite

Divulgação“Tarântula” (PR, 20min), de Aly Muritiba e Marja Calafange
Se “À Parte do Inferno”, projetado na quarta (16/9), exibia um horror suburbano, este “Tarântula” filia-se à tradição dos filmes de casa amaldiçoada. A ambientação é toda pensada nesse sentido, com um casarão de paredes descascadas, uma brisa outonal uivando lá fora e uma trama familiar que exala desconforto.

Criada pela mãe e pela irmã mais velha, uma garotinha perdeu uma das pernas. Sua melhor amiga, veja bem, é uma tarântula. Esse ar sinistro se condensa quando um caminhoneiro, namorado da mãe, lhe traz uma prótese. Ele também usa um braço postiço e pintado, digamos, folcloricamente de vermelho. A atmosfera de tensão se estabelece quando a irmã conta histórias do Curupira: ao que parece, ele voltará para pegar a outra perna da menina que, tal qual o Saci, não tem o membro direito.

“Tarântula” sussurra tensão a cada plano: da garotinha subindo a escada de costas, numa cena que gela a espinha ao referenciar “O Exorcista”, às composições visuais sutis, inundadas de crucifixos e bonequinhos amputados.

Avaliação: Bom

Divulgação“Rapsódia para o Homem Negro” (MG, 24min), de Gabriel Martins
Odé, um jovem negro, acorda sobressaltado de um pesadelo. E vê seu irmão morto, baleado. Tal qual o guerreiro na mitologia dos orixás, ele se prepara para se tornar uma espécie de vingador. “Rapsódia” não se desgarra de certas questões atuais, sobretudo raça, religiosidade afrobrasileira e as violentas ocupações urbanas que tratam as populações mais pobres como cães errantes.

A esperta solução dramática encontrada por Gabriel é largar a introdução de fundo documental e emoldurar a revolta de Odé como uma sequência de filme de ação. Seminu, ele caminha na direção de um edifício levando arco e flecha. Lá, trabalham engravatados que manipulam maquetes e planejam higienizar a cidade por meio de prédios modernos e imponentes. Ao menos na ficção, o empresariado mal sabe o que o espera.

Avaliação: Bom

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