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Kleber Mendonça Filho conversa com o Metrópoles sobre filme Retratos Fantasmas, em Cannes

O documentário teve sua estreia mundial neste sábado (20/5), em sessão especial do Festival de Cannes

atualizado

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“Retratos Fantasmas (Pictures Of Ghosts)” Photocall – The 76th Annual Cannes Film Festival
1 de 1 “Retratos Fantasmas (Pictures Of Ghosts)” Photocall – The 76th Annual Cannes Film Festival - Foto: Getty Images

Cannes – O cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho retornou ao Festival de Cannes, nesse sábado (20/5), para apresentar seu documentário Retratos Fantasmas, em sessão especial. Embora o mote principal sejam as salas de rua de Recife, o diretor explica que existe muito mais na trama. Em entrevista ao Metrópoles, Kleber conta como o apartamento da família, onde morou por mais de 40 anos, também entrou no filme.

METRÓPOLES: Eu queria começar falando sobre o início do filme, sobre essa inclusão do apartamento de vocês, da sua família, e em qual momento isso entrou no filme ou se esse foi um ponto de partida para depois falar dos cinemas de rua de Recife.

Kleber Mendonça Filho: Eu acho que, para falar do Retratos Fantasmas, eu preciso sempre falar em engenharia reversa. Se você pega um objeto e tenta entender como ele funciona, e vai desmontando de trás para a frente, eu acho que terminei fazendo isso, porque eu estive desenvolvendo esse filme há muitos anos. Então, inicialmente, sim, eram cinemas do centro de Recife. Um dos títulos que eu tinha para o filme era Cinemas do Centro do Recife, mas eu achava que o filme era pragmático demais, começando no cinema do Centro de Recife. E, aí, eu comecei a pensar muito, porque coincidiu de eu estar saindo da nossa casa naquele momento. A gente saiu de lá em 2017. E, nesse momento de se despedir da casa, começou a me colocar em um espaço de cabeça que me fez pensar no filme que eu já estava fazendo.

E eu me dei conta também de que aquele lugar era uma casa com cozinha, quartos, sala, área de serviço. Mas, na verdade, era onde eu fiz muitos filmes, não só O Som ao Redor, mas vários curtas-metragens e vídeos ainda na pós-adolescência. E, aí, eu entendi que eu tinha um registro bem múltiplo daquele lugar, e isso, naturalmente, me levou ao próprio filme que eu já estava fazendo.

Então, é estranho, porque, até agora, bom, a partir de agora, as pessoas começaram a ver o filme, mas, dos poucos que viram até agora, nunca ninguém falou que não tinha nada a ver com o resto da vida. E, em um determinado momento, eu pensei: ‘Será que é um pouco estranho?’. Mas eu gosto muito de começar o filme assim e, mais uma vez, engenharia reversa. Quando eu já estava desenvolvendo a casa, eu achei que eu deveria também dar dois passos atrás e começar na praia. E, aí, o filme agora começa na praia, porque eu encontrei o material da Janet Leigh no hotel Boa Viagem.

Você quase usou uma palavra. Não sei se você notou, a palavra ” abandonar”, quando você estava falando sobre sair da casa. Você tem algum sentimento de culpa nessa saída, algo tão dramatúrgico assim?

Termina sendo abandonada, a casa. Mas era um momento da vida em que fez sentido a gente sair dali. E a gente foi para outro lugar, que hoje faz parte da nossa vida, com crianças. Mas não é fácil você sair de uma casa que foi comprada pela sua mãe, onde você passou tantos anos, mas chega um momento que você sai de casa e tudo certo. Você pegou aí algo bem interessante mesmo, porque existe uma tristeza quando você sai daquele lugar, mesmo que seja um lugar que você passou…

Você também falou em engenharia reversa, para o filme, e o que achei curioso também dessa primeira parte é que ela pode causar um engenharia reversa na sua filmografia, ela convida a uma psicologia pop sobre seus filmes. Aquela de ver este como um “testamento” de uma filmografia passada sua. Você pensou nisso, habitou sua mente?

Olha, o pessoal da (distribuidora) Vitrine disse que vai ser ótimo pra gerar mais projeções dos outros filmes.

Eu achei engraçado, mas eu acho que, em cada filme, você se coloca no que você faz. É porque cada filme é visto no momento que ele sai, mas, na verdade, quando o tempo vai passando, você começa a ver que faz um sentido o que a pessoa estava fazendo. E talvez agora, eu já passei dos 50, eu já fiz alguns filmes, talvez seja mais fácil enxergar, ligar os pontos.

Uma amiga minha ficou emocionada quando viu o Retratos Fantasmas. Ela não conheceu minha mãe, mas ela identificou o corte de cabelo (da minha mãe) com a personagem de Aquarius. Então, são pequenas revelações que são trazidas por cada filme. Mas é a mesma coisa com alguém que escreve. Se você se coloca no que você escreve, se você se dá o luxo de se colocar — muita gente prefere fazer algo que seja turvo, porque acha que um filme não deve falar de questões pessoais. Eu acho que o eu tenho para oferecer é minha própria experiência.

As minhas relações são muito abertas. É claro que, quando a gente filmou a parte de O Som ao Redor na casa, foi uma decisão orçamentária, em grande parte. E depois eu me arrependi, porque a casa foi um pouco destruída. Entra muita gente, sumiram os talões de cheque na época, superdesagradável, aquelas coisas de iluminação foderam as paredes um pouco. Então, é uma coisa meio complicada, mas foi um processo muito rico também.

Você tem minha cozinha e tem minha cozinha em 35 milímetros, que agora não é mais a minha cozinha, é a cozinha de cinema. Ou seja, é a mesma ideia que é desenvolvida na Ponte da Boa Vista. A Ponte da Boa Vista é a Ponte Boa Vista, tem ferros, mas ela já foi filmada, e se torna uma entidade arquitetônica. Foi filmada em 1923, em 1973, 81, 89, 92, só de cabeça eu estou falando, 97, dois meses atrás. Tudo isso no filme.

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Kleber Mendonça Filho e a produtora Emilie Lesclaux
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Kleber Mendonça Filho apresentou Retratos Fantasmas no Festival de Cannes

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Kleber Mendonça Filho e a produtora Emilie Lesclaux

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E agora falando sobre os cinemas de rua… Onde será estreado esse filme em Recife?

Eu espero que seja no próprio São Luiz, se eles conseguirem resolver a situação de infiltração, essas questões…

Mas Recife, na verdade, é uma cidade muito curiosa. Existe um lado do Recife que se destrói. A cidade se destrói como várias cidades no Brasil. Talvez o pior exemplo seja São Paulo, que é uma cidade que se come. Tipo ‘ah, estou com fome’. ‘Você está comendo o seu braço?’ ‘Não, mas eu estou com fome, vou comer’. Nossas cidades, em geral, são assim. Mas Recife também tem um lado de preservação. Recife salvou duas grandes salas do passado. Uma é a São Luiz, de 1952, e a outra é o Parque. O Parque era uma sala comercial de 1919, em 1929 ela passou por uma reforma e recebeu o som, até os anos 60 era uma sala Severiano Ribeiro e, depois, virou uma sala da Prefeitura multi: teatro, música, cinema. E o Parque acaba de ser restaurado.

Então, a gente pode fazer a pré-estreia no Parque, pode ter algumas sessões durante a carreira dele no parque, a 100 metros de onde a sequência do Carnaval foi filmada. Ou seja, o parque está a 200 ou 300 metros em frente, na mesma rua, e a Rua do Hospício, que é citada duas vezes, em cima. Então, o Parque é uma possibilidade. O São Luiz ficar pronto é uma possibilidade. Mas o Bacurau fez 33 mil espectadores no São Luís. Então, é uma sala que já tem o público construído para o filme.

Você vem de três filmes que rodaram festivais pelo mundo e rodaram muito bem comercialmente no Brasil. Filmes de ficção. E, agora, quais as expectativas para o documentário?

Eu acho que esse filme pode ser uma grande surpresa, eu realmente acho. Ele tem 90 minutos. É um filme claro, é de ação. Eu não acho que ele é um filme difícil, novo.

E, se a gente fizer um bom trabalho, como a gente já fez com os outros, eu acho que ele pode ter uma boa carreira. Eu sempre sou otimista com meus filmes. Se não der certo, eu entendo que não deu certo. Faz parte. Mas, aí, a gente quer lançar em agosto, escolhendo muito bem as salas.

Fale um pouco mais sobre escolher as salas para o filme estrear.

Bom, eu tenho essa imagem minha. Eu gosto de salas de cinema em cada cidade, tipo no Rio. Eu tenho as salas de que eu gosto. Na verdade, o Odeon agora já não está mais funcionando, já era difícil, mas o Estação tá superquente com o que o Cavi está fazendo.

O grupo Estação São Paulo tem o cinema do Adhemar, tem o Cinesesc, que foram já muito bons para os meus filmes anteriores. Então, você tem de se apegar aos cinemas que você sabe que são amigos dos filmes. Salas comerciais de multiplex fazem parte também. Bacurau teve resultados muito bons em algumas dessas salas. Para minha completa surpresa.

Mas eu não sei. A gente tem que, aos poucos, entender o que podemos fazer com esse filme.

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