Juliana Paes toma o cinema como heroína de Jorge Amado, Dona Flor
Depois de “Gabriela”, na TV, a atriz segue na cola de Sônia Braga
atualizado
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Cinéfilos de carteirinha não se esquecem de Juliana Paes em “A Despedida”. No longa de Marcelo Galvão, ela faz a amante terna – e fogosa – de Almirante. O personagem, magnificamente criado por Nelson Xavier, é um velho. Diante daquele corpo sublime, o combalido guerreiro não recolhe seu desejo. Juliana é despudorada. Talvez seja sua maior qualidade como atriz. Ela nunca é menos que intensa nas cenas, e nas de sexo, então, dá-se por inteira. Na sexta da semana passada, o Brasil inteiro parou para ver para ver o final de “A Força do Querer”. Bibi, passado o deslumbramento da aventura com Rubinho no morro, ficou com Caio.
Mal terminou a maratona das gravações da novela de Gloria Perez, Juliana ingressou em outro turbilhão, e foi o lançamento de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, a versão de Pedro Vasconcelos – que, vejam a coincidência!, foi o diretor-geral, operacional, de “A Força do Querer”. Na segunda, Juliana estava em Salvador. O lançamento tinha de ser na terra de Jorge Amado. Entrevistas, a gala noturna. Na terça, Fortaleza, mais entrevistas, outra projeção do filme. “Dona Flor” está sendo lançado – no dia 2 – primeiro no Nordeste. Dia 8, Juliana desembarca em São Paulo para novos encontros com jornalistas. E dia 23, “Dona Flor” chega aos cinemas de São Paulo e Rio.
Depois de “Gabriela”, na TV, Juliana Paes segue na cola de Sônia Braga. Ela brinca – “E daqui a 20 anos, se tudo der certo, vou refazer Aquarius.” Dá uma risada gostosa. Por que Sonia Braga? Por que Dona Flor? “Tem a ver com meu physique. Na verdade, esse meu namoro com Dona Flor começou há muito tempo. Fui convidada para fazer a personagem no teatro, mas na época estava comprometida com outro projeto. Quando o Pedro me chamou para o filme, topei logo. Filmamos antes da novela.” E Sonia? “Sempre fui fã, não só da atriz. Da mulher. Sonia é encarnação de beleza, de sensualidade. Representa a brasileira melhor que ninguém.” E as mulheres de Jorge Amado? “São fogo! Gabriela é bicho selvagem, Dona Flor é o bicho preso no traquejo social. Tem aquela exuberância, mas é reprimida. Tá todo mundo de olho em Flor. Tá todo mundo de olho em mim, nesse jogo das celebridades. E eu estou sempre nessa pressão – como ser livre, como ser eu?”
E ela acrescenta – “Criei muitas personagens às quais emprestei tudo, mas eram elas. Dona Flor tem mais a Juliana. Esse choque entre emoção e razão me pega.” Sua falta de pudor é notável nas cenas de cama. O diretor diz que não é preciso nem pedir – “Juliana já é uma mulher de seio empinado.” E ela – “Me jogo mesmo.” Com Bibi foi a mesma coisa. Em nenhum momento ela colocou juízos de valor no que a personagem fazia, vivendo seu amor bandido, indo reinar no morro. “Se fosse julgar a Bibi, eu paralisava. Não ia conseguir fazer.” A novela foi o maior sucesso, de público e crítica, da Globo, na faixa das 9, desde “Avenida Brasil”. As pessoas a chamavam de ‘Bibi!’ na rua. “E não eram só adultos. Crianças! Era o que me perturbava. Elas nem deviam estar vendo a novela, mas amavam a Bibi. É muito forte quando uma personagem se instala no imaginário do público.”Surgiram críticas à glamourização da violência em Bibi. “Não acho. Gravamos em comunidade e eu conheci muitas Bibis. Mulheres que, como ela, foram atraídas por esse mundo de sexo, riqueza, poder. Mas a Gloria (Perez) tem a medida. Bibi teve seu paraíso e também seu inferno. E a mãe estava ali o tempo todo fazendo contraponto, com um discurso realista contra esse deslumbramento que a Bibi vivia. Não era só o texto, era o sofrimento que a Elizângela passava.” O repórter observa que “A Força do Querer” foi uma novela de mães. Elizângela, Maria Fernanda Cândido, Zezé Polessa, a própria Bibi. “Concordo totalmente. Acho que a força da novela, inclusive, estava também nessas mães. A Gloria viveu a tragédia que todo mundo sabe, como mãe. Ela conhece essa dor e a coloca nas personagens. O público percebe.”
Foi uma novela de mulheres fortes e homens fracos. “E esse empoderamento não é só correção política. Nós, mulheres, temos hoje muito mais consciência da nossa força – individual e coletiva.” Mexeu com uma, mexeu com todas? “Não é só um lema, meu amigo. É a vida.” Dona Flor também é forte, mas tem os dois maridos. Vadinho tem suas fraquezas, mas é uma potência sexual e a completa. Juliana e Leandro Hassum, que fazem Flor e Teodoro, sustentam a comparação com Sonia e Mauro Mendonça no filme original de Bruno Barreto. O problema talvez seja Marcelo Farias, e não tem nada a ver com o ator. Por menos que se queira comparar, José Wilker, o Vadinho de Barreto, é insuperável. Vadinho, Lorde Cigano (em “Bye Bye Brasil”) são personagens emblemáticos de Wilker.
Mãe de dois filhos, Juliana admite a culpa. “Claro que eles têm sempre o melhor acompanhamento que a gente pode proporcionar, mas não é fácil estar toda hora gravando, filmando, dando entrevista. Você se sente meio mãe desalmada.” Seu plano é descansar um pouco após a estreia de “Dona Flor” e dedicar dezembro e janeiro integralmente às crianças. “Vão enjoar de mim”, brinca. Depois do carnaval volta ao trabalho. Daniel Filho vai filmar “Boca de Ouro” e ela vai ser sua Guigui na próxima adaptação da peça de Nelson Rodrigues. Última pergunta – seu segredo de beleza? “Jura que quer saber? Atualmente, é gelo. Acordo todo dia amarrotada. Dormindo pouco, muito trabalho. Enfio a cara no gelo e vou me sentindo melhor.” Mas e em condições menos extremas? “Sou viciada em endorfina. Muito exercício. Dançar, correr, ginástica, nadar. O negócio é manter o corpo em movimento.”
Relembre algumas das personagens de Juliana:
Florípedes encarna contradições bem brasileiras
Na entrevista, Juliana Paes diz, meio brincando, que, por viver na cola de Sonia Braga, ainda lhe falta fazer, daqui a quantos anos?, um novo Aquarius. Poderia fazer também uma nova “Dama do Lotação” e até um novo “Eu Te Amo”. Como arquétipo de brasilidade, Sonia criou personagens que se destacavam pela sensualidade numa época em que o cinema brasileiro, liberado pela pornochanchada, não tinha pudor em escancarar as cenas de cama. Como livro e filme, “Dona Flor” segue a trilha da comédia de costumes ao revelar a vida noturna de Salvador e seus tipos. Vadinho é uma súmula da boemia. Florípedes, como diz Roberto DaMatta, é uma síntese de contradições bem brasileiras. Divide-se entre Teodoro e Vadinho, um reprimido (repressor?), o outro, extrovertido, em especial no sexo. Flor experimenta o melhor desses dois mundos, ou de seus dois homens. Sonia e, agora, Juliana são gloriosas.