Fotógrafo de Democracia em Vertigem: “Agora, o mundo está vendo”
Com larga experiência em cobertura de política, Ricardo Stuckert detalha bastidores do documentário brasileiro indicado ao Oscar 2020
atualizado
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Acostumado a clicar o universo da política nos corredores do poder em Brasília, Ricardo Stuckert jamais imaginou que seu trabalho poderia, um dia, estar estampado na maior premiação do cinema mundial. De certa maneira, Democracia em Vertigem, o documentário de Petra Costa indicado ao Oscar 2020, não teria acontecido sem o olhar do veterano fotógrafo, cuja carreira teve um de seus melhores momentos acompanhando o ex-presidente Lula, entre 2003 e 2011.
Diretor de fotografia e autor de imagens exclusivas do filme, Stuckert, 50 anos, foi procurado por Costa bem antes de o longa ficar pronto. “Sentamos e conversamos. E eu falei, ‘Petra, estou fazendo esse filme há 18 anos'”, brinca o jornalista, que atualmente apresenta fotos de etnias indígenas na exposição Índios Brasileiros, na Aliança Francesa de Brasília. “Muita história passou por mim. Não tem como voltar para registrar de novo. O que você quer, em parte, eu já tenho”, completa.
E não apenas fotos, obviamente. Mas vídeos. Stuckert diz ser o primeiro fotógrafo de Brasília a conciliar os dois registros, à época do segundo mandato de Lula. “Fui muito criticado por outros fotógrafos”, lembra. Sempre priorizou a foto, mas deu um jeito de comportar filmagens na rotina. “Minha experiência com cinema começou aí. Na posse da presidenta Dilma e na saída do Lula, fiz o primeiro documentário em 3D sobre política no Brasil”, orgulha-se.
“A outra versão”
Aos poucos e naturalmente, editar o próprio material filmado também virou rotina. E ele pôde recorrer a esse acervo para ajudar a dar forma a Democracia em Vertigem. O acesso privilegiado aos bastidores também permitiu ao fotógrafo trazer olhares distintos durante as filmagens do impeachment de Dilma Rousseff, foco do documentário.
“A notícia pode não ser a de hoje, mas a de daqui a 10 anos. Imagens de drone, por exemplo. A foto do pôster, de Brasília dividida. Fiz foto e vídeo. Quando teve a votação do impeachment na Câmara, a Petra estava no plenário filmando a Dilma. Eu, filmando o Lula. De certa maneira, o filme não teve roteiro. O roteiro é a política”, conta Stuckert.
O fotógrafo enxerga Democracia como um retrato ao mesmo tempo intimista, trazendo à tona um pouco da trajetória familiar da diretora, e de como é amplo o Brasil atual. “O país está dividido ao meio. Não há meio termo. É uma coisa ou outra. Virou uma briga constante”, analisa.
“Na estrutura do filme, ela [Petra] narra a história dela. E isso traz uma credibilidade incrível. Decidi ceder material porque o momento era muito importante. Se não tivesse cedido, não estaria ajudando a história. Meu interesse era mostrar o que estava acontecendo naquele momento e os reflexos daquilo hoje. Foi com essa intenção que abri meu material. Mostrar para as pessoas a outra versão, o outro lado que nunca ninguém mostra. Agora, o mundo está vendo”, acredita.
O arquivo de Stuckert é tão vasto que, nos próximos anos, ele pretende montar um filme próprio sobre o extenso período histórico que acompanhou de pertinho.
Expedição por aldeias
Nos últimos três anos, entre um e outro compromisso como fotojornalista, Stuckert desenvolveu um ambicioso projeto artístico de registro de etnias indígenas brasileiras. Após a exposição montada em Brasília, ele deve lançar Índios Brasileiros em livro, provavelmente no mês de abril. A publicação deve cobrir 12 etnias e ganhar sequência nos próximos anos, com novas viagens a outras aldeias.
“As fotos são diferentes do jornalismo. Optei pela beleza da nossa cultura, esse tipo de registro. Retratar como eles estavam quando os portugueses chegaram”, explica. A mostra é uma espécie de pílula do projeto. Reúne 25 fotos. O jornalista contabiliza mais de mil imagens, sendo pelo menos 500 delas já editadas.
Apesar de sair do papel só agora, em 2020, o projeto nasceu há mais de 20 anos, quando Stuckert trabalhava na revista Veja. A publicação da editora Abril planejava soltar um especial intitulado Veja Amazônia. E o jornalista foi despachado para São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas.
Lá, conheceu e fotografou Penha Goes, uma indígena de 19 anos e expressivos olhos claros. Anos depois, na década de 2010, quando a questão indígena passou a ganhar mais vulto no noticiário com reportagens sobre demarcações e protestos de tribos em Brasília, veio o “estalo”. “Onde estaria Penha?”, pensou o jornalista.
Stuckert demorou um ano até conseguir contactar a ianomâmi novamente. Assim que saiu da aldeia amazônica, após fazer a segunda foto de Penha, teve a certeza de que deveria transformar o retrato em ensaio.