For Sama: o filme favorito ao Oscar contra Democracia em Vertigem
Documentário sírio traz perspectiva feminina bastante particular sobre a guerra civil no país a partir do olhar da jovem Waad Al-Kateab
atualizado
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For Sama (Para Sama, em português) é o filme favorito para desbancar Democracia em Vertigem, da brasileira Petra Costa, na categoria de melhor documentário do Oscar 2020. Também concorrem à estatueta The Cave, Honeyland e Indústria Americana, produzido pela Higher Ground, selo do casal Michelle e Barack Obama.
Disponível no canal on demand Philos, da Globosat, For Sama não surge à toa como cotado para levar o prêmio. Trata-se de uma obra bastante particular, ao mesmo tempo sensível e chocante, sobre a guerra civil na Síria. Isso porque leva ao espectador o olhar da jovem Waad Al-Kateab.
Ela protagoniza, narra e codirige, com Edward Watts, um documentário subjetivo à beça, em primeira pessoa, sobre a experiência de ser mulher e mãe em Alepo, cidade sitiada sob constantes ataques aéreos.
Ao longo de cinco anos, da Primavera Árabe à destruição generalizada da região, Waad liga a câmera para contar sua história. Estudante de marketing na Universidade de Alepo, registra a insurreição popular contra o ditador Bashar al-Assad.
Quando a violenta repressão se abate sobre o povo, com reforço do poderio militar russo, Waad permanece em Alepo. Apaixona-se pelo médico Hamza, um dos poucos médicos que ficaram na cidade após os primeiros bombardeios. Sem planejar, os dois geram Sama, bebê nascido no epicentro de um conflito que não escolhe vítimas. Pelo contrário: inocentes morrem aos montes. Nem doentes, crianças e idosos são poupados.
Waad poderia simplesmente deixar Alepo para trás e tentar reconstruir a vida em outro lugar. Mas ela, Hamza e Sama permanecem. O marido comanda um hospital improvisado em meio aos escombros de prédios em ruínas e ruas lotadas de escombros. Ele e alguns outros profissionais de saúde fazem o que podem, às vezes na base do improviso, para socorrer feridos.
A escolha de Waad por esse olhar espontâneo e pessoal, na forma de diário, confere a For Sama uma autenticidade difícil de se atingir no subgênero de documentários de guerra. Entre flagrantes de famílias destroçadas por um parente à beira da morte e momentos de tensão sob estrondos de bombas, o filme jamais tenta trivializar os horrores cotidianos.
Mostra a crueza da realidade síria a olho nu, sem penduricalhos melosos como trilha estridente ou pretensas imagens à procura de brechas de “beleza no caos”. Pudera. Waad é tão sobrevivente quanto quem escolhe filmar.
Nesse nada banal “filme caseiro”, Waad esboça uma crônica de si mesma e de seu país. Prepara para a Sama do futuro, de daqui a pouco, um relato íntimo sobre resistência. No fim das contas, como ela diz em certo momento, viver já representa um desafio à guerra.