Filhos do Mangue traz amnésia e redescoberta para Gramado
Filme Filhos do Mangue, da diretora Eliane Caffé, compete no Festival de Gramado.
atualizado
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Gramado (RS) – Seria possível deixar uma vida pregressa, com seus atos terríveis, para trás se simplesmente esquecermos destes? É uma proposta interessante para o personagem Pedro Chão (Felipe Camargo), que acorda na praia, sem memória, mas com um grupo inteiro de moradores querendo sua pele. Pedro sumiu com o dinheiro da cooperativa de pescadores, e agora não tem a mínima ideia de como resolver a situação. Também não sabe resolver o atrito que mantém com a ex-mulher (Titina Medeiros), visto que ele a tratava de maneira abusiva, ou mesmo a vida de outras jovens mulheres que ele ajudou a cooptar para o tráfico sexual.
Filhos do Mangue começa colocando seu protagonista na mesma posição que o espectador. No meio de uma comunidade estabelecida e tradicional, mas sem saber nada dela. A sequencia inicial é a mais provocadora do filme. Ao capturarem Pedro, os membros da cooperativa o amarram em uma cadeira e montam um tribunal popular. Entre perguntas e tabefes, debatem o que fazer com ele, ou mesmo se a sua oportuna amnésia merece ser levada a sério. É uma maneira circuitosa de levar a trama. Ao mesmo tempo que o roteiro quer se aproveitar de um senso de comunidade, ele encontra uma maneira de introduzir esta comunidade a quem a está descobrindo pela primeira vez.
Pedro Chão logo estabelece que ele representa um pesadelo para a comunidade, mas não é o único. Praticamente todas as personagens femininas convivem num cenário de abuso e de violência física. A dificuldade que os outros tem em enxergá-lo com um novo olhar, ele sente na pele. Quando uma pessoa se relaciona a uma comunidade durante a vida inteira, como funcionaria uma ressignificação?
Filhos do Mangue oscila entre este tema e a visão antropológica de uma comunidade ribeirinha. Suas práticas, seus costumes e o ato de se infiltrar no mangueiral todos os dias para pescar caranguejos. Outro ponto forte ocorre numa discussão entre mulheres sobre como lidar com os constantes abusos que sofrem nas mãos de seus companheiros, uma conversa que ocorre também entre gerações, com aquelas mais velhas enxergando menos dificuldades nas opções daquelas mais novas.