Ficção e autobiografia se misturam em “Meu Amigo Hindu”
Novo filme de Hector Babenco expurga experiências traumáticas do diretor, que lutou contra o câncer nos anos 90
atualizado
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O cineasta argentino Hector Babenco nega. Mas “Meu Amigo Hindu” é um filme autobiográfico. Não no sentido radical da palavra, mas a partir da concepção narrativa de se apropriar de histórias reais de um personagem inspirado em si mesmo. Parece meio confuso, mas não é. Daí o fato do ator norte-americano, Willem Dafoe, viver nas telas um cineasta estrangeiro radicado no Brasil que sofre baque na carreira ao enfrentar um câncer linfático.
Na trama, as duas histórias se confundem. A do suplício pessoal de Babenco, que na década de 90 lutou por oito anos contra a doença, e a do personagem. Enfim, meros devaneios entre ficção e realidade. E os delírios sofridos pelo protagonista, após se submeter a duro tratamento, o levarão a imaginar o tal amigo do título, um garotinho indiano parceiro na dor.
E não só ele, mas um inusitado encontro com a Morte, com quem trava iconoclasta diálogo sobre, entre outras coisas, o “lucro sagrado e a culpa de Deus em tudo de ruim que está acontecendo no mundo”. “Artistas são pessoas de verdade”, brinca a figura mítica interpretada por Selton Mello.
Meditação sobre a doença e a perda
Desde os anos 70 vivendo no país, Babenco, cineasta de obras respeitadas como, “Pixote – A Lei do Mais Fraco”, “O Beijo da Mulher-Aranha” e “Carandiru”, presta homenagem ao ofício expurgando experiências traumáticas de um sofrimento pessoal que culminou no fim de um casamento, interrupção de uma carreira em curso, mas também a busca de uma nova vida a partir da meditação sobre a doença e sentimentos como culpa e perda.
É a catarse emocional e artística de quem viu a morte de perto. E com o habitual sarcasmo e amargor com que o diretor, um exímio contador de histórias, filma seus filmes. Assim, ele nos brinda com momentos deslumbrantes, como a linda referência ao clássico musical “Cantando na Chuva”, protagonizado pela ex-mulher, Bárbara Paz, na cena final.
Por isso estranha que um filme tão reflexivo se perca em bobagens técnicas infantis, como artificialismo de algumas passagens, com destaque para as cenas do casamento e dos encontros familiares, ambas norteadas por diálogos banais e até vulgares. Mas nada é pior em “Meu Amigo Hindu” do que ver atores globais falando inglês numa produção nacional. O recurso na passa credibilidade nenhuma às atuações do elenco brasileiro.
Pegou mal também a tentativa de reproduzir cenas dos Estados Unidos numa São Paulo maquiada por placas estrangeiras. Ainda bem que, principal peça desse jogo de xadrez emotivo que é a trama, Willie Dafoe não decepciona.
Avaliação: Regular
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