Festival do Rio: leia crítica do filme francês Vidas Duplas
Após dois longas estrelados por Kristen Stewart, diretor Olivier Assayas retorna à França com comédia sobre literatura e mundo editorial
atualizado
Compartilhar notícia
Rio de Janeiro — Depois de Personal Shopper (2016), um dos filmes mais abstratos de sua carreira, e Acima das Nuvens (2014), ambos estrelados por Kristen Stewart, o parisiense Olivier Assayas retorna ao cinema falado em francês em Vidas Duplas, ambientado na capital do país. A obra é uma das atrações mais esperadas do Festival do Rio 2018*.
Sempre interessado em como a tecnologia contamina as relações humanas, tema de alguns de seus longas, como Espionagem na Rede (2002) e o próprio Shopper — este com uma sequência de suspense mediada por mensagens de celular –, Assayas agora se debruça sobre o mundo editorial e suas relações ambíguas com a era digital.
O livro de papel vai acabar? Por que o ebook não pegou como deveria? Os jovens leem menos do que deveriam ou apenas consomem literatura de forma diferente? Todo e qualquer debate relativo à literatura entra nas conversas entre os cinco personagens principais, até o fenômeno dos livros de colorir e os audiolivros.
O filme parte de um editor de um selo tradicional, Alain (Guillaume Canet), e um escritor de prestígio, Léonard (Vincent Macaigne), para tratar das vidas pessoais dos personagens. Léonard trai sua esposa, Valérie (Nora Hamzawi), consultora de imagem para um político, com a mulher de Alain, Selena (Juliette Binoche), atriz principal de um famoso seriado policial.
A monogamia de aparências também é quebrada por Alain, que mantém um caso com a jovem (Christa Théret), responsável pela interface digital da editora. Para ela, o livro tradicional não sobreviverá aos novos hábitos de leitura. Seu chefe abraçou os novos tempos, mas ainda acredita na força da literatura como objeto de afeto e refúgio.
Assayas costura o filme em torno de diálogos verborrágicos, debates entre amigos e amantes e situações de toda sorte, conseguindo extrair bom humor até mesmo das trocas mais absurdas — a piada do boquete durante a sessão de A Fita Branca (2009), longa de Michael Haneke vencedor da Palma de Ouro, é impagável.
Se as redes sociais costumam expor a intimidade das pessoas sem que elas permitam essa invasão, Léonard faz algo parecido em seus livros. Sua autoficção é reconhecidamente autobiográfica. Aos leitores, basta um pouco de atenção e curiosidade para identificar as personagens reais de suas histórias.
As conversas sobre “a morte da literatura” começam à toda, mas aos poucos parecem repetitivas e até um pouco superadas. Não é o roteiro dos mais inspirados do cineasta, apesar das inegáveis boas sacadas.
Vidas Duplas é um típico filme francês gostoso de se assistir e não muito mais do que isso, com o bônus de ter um Assayas sempre provocativo e disposto a usar os relacionamentos para discutir outros assuntos, como a própria natureza da ficção.
Nas cenas finais, os casais sugerem que Juliette Binoche, a famosa atriz e intérprete de Selena, faça uma versão em audiolivro do novo romance de Léonard, que acontece de ser disfarçadamente sobre Selena. Pasme: Selena, a personagem, conhece Binoche e fará esse contato para que o projeto vingue. Vida e fantasia inseparáveis e intimamente conectadas.
Avaliação: Bom
*O repórter viajou a convite do Festival do Rio 2018